Primeira deteção de “água pesada” num disco de formação planetária

Esta impressão artística mostra a evolução das moléculas de água pesada (H₂O, HDO e D₂O) tal como foram observadas em nuvens moleculares gigantes, num disco de formação planetária e em cometas – antes de eventualmente chegarem à Terra. Crédito: NSF/AUI/NRAO da NSF/P. Vosteen/B. Saxton

A descoberta de água antiga num disco de formação planetária revela que alguma da água encontrada nos cometas – e talvez até na Terra – é mais antiga do que o disco da própria estrela, oferecendo uma visão inovadora da história da água no nosso Sistema Solar.

Astrónomos, recorrendo ao ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), fizeram a primeira deteção de água duplamente deuterada (D₂O, ou “água pesada”) num disco de formação planetária em torno de V883 Ori, uma estrela jovem. Isto significa que a água neste disco, e por extensão a água nos cometas que aqui se formam, é anterior ao nascimento da própria estrela, tendo viajado através do espaço a partir de antigas nuvens moleculares muito antes da formação deste sistema.

“A nossa deteção demonstra indiscutivelmente que a água observada neste disco de formação planetária deve ser mais antiga do que a estrela central e formou-se nas primeiras fases da formação estelar e planetária”, partilha Margot Leemker, autora principal do artigo científico e pós-doc no Departamento de Física da Universidade de Milão. “Isto representa um grande avanço na compreensão da viagem da água através da formação planetária, e como esta água chegou ao nosso Sistema Solar, e possivelmente à Terra, através de processos semelhantes”.

Quer isto dizer que a água na nossa chávena de café pode ser mais velha do que o Sol? A impressão digital química do D₂O mostra que estas moléculas de água sobreviveram aos violentos processos de formação estelar e planetária, viajando milhares de milhões de quilómetros através do espaço e do tempo antes de acabarem em sistemas planetários como o nosso. Em vez de ser destruída e reformada no disco, a maior parte desta água é herdada das primeiras e mais frias fases da formação estelar, uma herança cósmica que também pode estar presente na Terra atual.

“Até agora, não sabíamos se a maior parte da água dos cometas e planetas se formou em discos jovens como o de V883 Ori, ou se é ‘pristina’, proveniente de antigas nuvens interestelares”, partilha John Tobin, cientista do NRAO (National Radio Astronomy Observatory) da NSF (National Science Foundation), e segundo autor deste novo artigo científico. A deteção de água pesada, usando rácios sensíveis de isotopólogos (D₂O/H₂O), prova a herança antiga da água e fornece um elo perdido entre nuvens, discos, cometas e, em última análise, planetas. Esta descoberta é a primeira evidência direta da viagem interestelar da água desde as nuvens até aos materiais que formam os sistemas planetários – inalterada e intacta.

A água é fundamental para a vida e para a habitabilidade. Saber de onde vem a água dos planetas ajuda-nos a compreender os ingredientes para a vida no nosso Sistema Solar e noutros. Esta descoberta sugere que muitos planetas jovens, e talvez mesmo mundos para lá do nosso, poderão herdar água milhares de milhões de anos mais velha do que eles próprios, lembrando-nos como a nossa existência está profundamente interligada com o passado antigo do Universo.

// NRAO (comunicado de imprensa)
// Observatório ALMA (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Nature Astronomy)

Saiba mais:

Água pesada (ou água duplamente deuterada):
Wikipedia

V883 Orionis:
Wikipedia

Discos protoplanetários:
Wikipedia
Formação planetária (Wikipedia)

ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array):
Página principal
ALMA (NRAO)
ALMA (ESO)
Wikipedia

Sobre Miguel Montes

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