Cientistas planetários ligam o nascimento de Júpiter à zona de formação da Terra

Imagem melhorada de Júpiter, com base em três exposições obtidas pela sonda Juno em 2019.
Crédito: Kevin M. Gill; NASA/JPL-Caltech/MSSS

Uma nova investigação sugere que o planeta gigante Júpiter remodelou o Sistema Solar primitivo de forma dramática, criando anéis e divisões que, em última análise, explicam um dos enigmas mais antigos da ciência planetária: porque é que muitos meteoritos primitivos se formaram milhões de anos depois dos primeiros corpos sólidos. O estudo, que combinou modelos hidrodinâmicos do crescimento de Júpiter com simulações da evolução da poeira e de formação planetária, foi recentemente publicado na revista Science Advances.

Através de simulações computorizadas de última geração, os cientistas planetários André Izidoro e Baibhav Srivastava, da Universidade Rice, descobriram que o rápido crescimento inicial de Júpiter desestabilizou o disco de gás e poeira que rodeava o Sol. A imensa gravidade do planeta enviou ondulações através do disco do recém-nascido Sistema Solar, criando “engarrafamentos cósmicos” que impediram pequenas partículas de espiralarem para o Sol. Ao invés, estas partículas juntaram-se em bandas densas, onde se podiam aglomerar em planetesimais – as sementes rochosas dos planetas.

A reviravolta surpreendente é que os planetesimais formados nestas zonas não eram os blocos de construção originais do Sistema Solar. Representam, sim, uma segunda geração, nascida mais tarde na história do sistema. O seu nascimento coincide com o de muitos condritos – uma família de meteoritos rochosos que preservam pistas químicas e cronológicas da infância do Sistema Solar.

“Os condritos são como cápsulas do tempo dos primórdios do Sistema Solar”, disse Izidoro, professor assistente de Ciências da Terra, do Ambiente e Planetárias na Universidade Rice. “Têm caído para a Terra ao longo de milhares de milhões de anos, onde os cientistas os recolhem e estudam para desvendar pistas sobre as nossas origens cósmicas. O mistério sempre foi: Porque é que alguns destes meteoritos se formaram tão tarde, 2 a 3 milhões de anos após os primeiros sólidos? Os nossos resultados mostram que o próprio Júpiter criou as condições para o seu nascimento tardio”.

Ilustração esquemática do cenário evolutivo proposto para o início do Sistema Solar interior durante aproximadamente os seus primeiros 3 milhões de anos.
Crédito: Srivastava e Izidoro, Science Advances (2025)

Os condritos são especialmente significativos porque são alguns dos materiais mais primitivos disponíveis para a ciência. Ao contrário dos meteoritos da primeira geração de blocos de construção – que derreteram, se diferenciaram e perderam o seu carácter original – os condritos preservam a poeira pura do Sistema Solar e minúsculas gotículas fundidas chamadas côndrulos. A sua formação tardia intriga os cientistas há décadas.

“O nosso modelo junta duas coisas que não pareciam encaixar antes – as impressões digitais isotópicas nos meteoritos, que vêm em dois sabores, e a dinâmica da formação planetária”, disse Srivastava, estudante que trabalha no laboratório de Izidoro. “Júpiter cresceu cedo, abriu uma lacuna no disco de gás, e esse processo protegeu a separação entre o material do Sistema Solar interior e exterior, preservando as suas assinaturas isotópicas distintas. Também criou regiões onde os planetesimais se poderiam formar muito mais tarde”.

O estudo também ajuda a explicar outro mistério do Sistema Solar: porque é que a Terra, Vénus e Marte estão agrupados a cerca de uma unidade astronómica do Sol, em vez de entrarem em espiral para o interior, como acontece em muitos outros sistemas planetários. Júpiter cortou o fluxo de material gasoso em direção ao Sistema Solar interior, suprimindo a migração para o interior dos planetas jovens. Em vez de mergulharem em direção ao Sol, estes mundos em crescimento ficaram presos na região terrestre, onde a Terra e os seus vizinhos acabaram por se formar.

“Júpiter não se tornou apenas no maior planeta – definiu a arquitetura de todo o Sistema Solar interior”, disse Izidoro. “Sem ele, talvez não tivéssemos a Terra como a conhecemos”.

As descobertas são consistentes com as impressionantes estruturas em anel e lacuna que os astrónomos observam atualmente em sistemas estelares jovens com o telescópio ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), o observatório astronómico mais complexo alguma vez construído na Terra e localizado no norte do Chile.

“Olhando para estes discos jovens, vemos o início da formação de planetas gigantes e a reconfiguração do seu ambiente natal”, disse Izidoro. “O nosso próprio Sistema Solar não foi diferente. O crescimento inicial de Júpiter deixou uma assinatura que ainda hoje podemos ler, presa nos meteoritos que caem na Terra.”

// Universidade Rice (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Science Advances)

Saiba mais:

Formação e evolução do Sistema Solar:
Wikipedia

Sistema Solar:
Wikipedia

Júpiter:
NASA
Nine Planets
Wikipedia

Meteoritos condritos:
Wikipedia

Sobre Miguel Montes

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