Sinais de rádio de um buraco negro a destruir uma estrela

Interpretação artística de dois buracos negros massivos numa galáxia. Um evento de perturbação de marés desenrola-se em torno do buraco negro massivo que reside longe do centro galáctico e a matéria de uma estrela perturbada gira num disco de acreção brilhante, lançando um fluxo energético e resultando em duas brilhantes erupções de rádio.
Crédito: NSF/AUI/NRAO da NSF/P.Vosteen

Uma equipa internacional de astrónomos descobriu o primeiro evento de perturbação de marés (com a sigla inglesa “TDE”, “tidal disruption event”) que ocorre fora do centro de uma galáxia, utilizando o VLA (Very Large Array) e o ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), juntamente com vários telescópios parceiros. O evento, designado AT2024tvd, revelou os sinais de rádio de evolução mais rápida alguma vez observados neste tipo de catástrofe cósmica.

A descoberta, liderada pelos investigadores principais Itai Sfaradi e Raffaella Margutti da Universidade da Califórnia, Berkeley, e outros, representa um grande avanço na compreensão da forma como buracos negros massivos se podem esconder em locais inesperados do Universo.

“Isto é verdadeiramente extraordinário”, disse Sfaradi, autor principal do estudo. “Não só é a primeira vez que observamos uma emissão de rádio tão brilhante de um evento de perturbação de marés que ocorre longe do centro de uma galáxia, mas também está a evoluir mais rapidamente do que qualquer coisa que tenhamos visto antes”.

Os eventos de perturbação de marés ocorrem quando uma estrela se aventura demasiado perto de um buraco negro massivo e é despedaçada pelas imensas forças gravitacionais do buraco negro. Embora estes eventos ocorram tipicamente nos centros das galáxias onde residem buracos negros supermassivos, AT2024tvd foi descoberto a cerca de 0,8 kiloparsecs (cerca de 2600 anos-luz) de distância do centro da sua galáxia hospedeira.

A campanha de monitorização rádio da equipa internacional, que incluiu comprimentos de onda do centímetro ao milímetro, revelou características sem precedentes. O evento mostrou duas erupções rádio distintas com escalas de tempo de evolução muito superiores a tudo o que foi observado anteriormente em TDEs. A primeira erupção subiu pelo menos tão rápido quanto t9 (onde t é o tempo desde a descoberta ótica) e declinou como t-6, enquanto a segunda erupção exibiu um aumento inicial de t18 e declínio de t-12.

“A emissão rádio de AT2024tvd evolui tão rapidamente que se destaca mesmo entre os eventos cósmicos mais extremos que conhecemos”, explicou a coinvestigadora principal Raffaella Margutti. “Estas observações estão a revelar uma nova física sobre a forma como o material se comporta quando é lançado da vizinhança de buracos negros”, acrescentou Kate Alexander, investigadora principal do programa VLA e professora na Universidade do Arizona.

A descoberta utilizou uma extensa rede de radiotelescópios, incluindo o VLA e o ALMA, o AMI-LA (Arcminute Microkelvin Imager Large Array), o ATA (Allen Telescope Array) e o SMA (Submillimeter Array). Esta abordagem multitelescópica permitiu à equipa seguir a evolução do evento através de uma vasta gama de frequências de rádio durante aproximadamente 300 dias.

A investigação sugere que a rápida evolução rádio resulta de pelo menos um – e possivelmente dois – fluxos lançados significativamente após a perturbação estelar inicial. A análise da equipa indica que estes fluxos foram provavelmente lançados 80 e 170 dias após a descoberta ótica, desafiando os modelos tradicionais de como se desenrolam os eventos de perturbação de marés.

“O que torna esta descoberta ainda mais notável é o facto de revelar um buraco negro massivo que, de outra forma, nos seria invisível”, disse Raffaella Margutti. “A única razão pela qual podemos detetar este buraco negro errante é porque ele rasgou uma estrela e produziu estes sinais de rádio incrivelmente brilhantes”.

A posição não nuclear deste TDE fornece informações cruciais sobre a população de buracos negros massivos que podem estar a vaguear pelas galáxias ou a retrair-se de interações passadas. As teorias atuais sugerem que tais buracos negros podem resultar de interações de buracos negros triplos ou ser remanescentes de fusões de galáxias.

A sofisticada análise da equipa marca também a primeira vez que tanto a absorção livre-livre como o arrefecimento por Compton inverso foram considerados em conjunto na modelação da emissão de rádio de um TDE, fornecendo novas ferramentas para compreender estes eventos extremos.

“Esta descoberta abre possibilidades inteiramente novas para encontrar buracos negros escondidos no Universo”, observou Itai Sfaradi. “Com os próximos levantamentos do céu, poderemos descobrir que estes eventos de perturbação de marés não-nucleares são mais comuns do que pensávamos”.

A investigação também revelou uma potencial ligação entre o lançamento de fluxos emissores de rádio e alterações na emissão de raios-X do evento, sugerindo uma ligação a processos de acreção em torno do buraco negro.

AT2024tvd foi inicialmente descoberto pelo ZTF (Zwicky Transient Facility) no dia 25 de agosto de 2024, em comprimentos de onda óticos, antes de observações de seguimento revelarem o seu brilho no rádio e a sua natureza não nuclear.

Os resultados foram publicados na revista The Astrophysical Journal Letters.

// NRAO (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (The Astrophysical Journal Letters)

Saiba mais:

AT2024tvd:
Transient Name Server

Evento de perturbação de marés:
Wikipedia

Buraco negro supermassivo:
Wikipedia

Absorção livre-livre:
Wikipedia

Efeito Compton:
Wikipedia

VLA (Karl G. Jansky Very Large Array):
Página principal
NRAO
Wikipedia

ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array):
Página principal
ALMA (NRAO)
ALMA (ESO)
Wikipedia

AMI-LA (Arcminute Microkelvin Imager Large Array):
Universidade de Cambridge
Wikipedia

ATA (Allen Telescope Array):
Instituto SETI
Wikipedia

SMA (Submillimeter Array):
Página principal
Wikipedia

ZTF (Zwicky Transient Facility):
Caltech
ipac
Wikipedia

Sobre Miguel Montes

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