
Uma nova análise das assinaturas químicas medidas pelo rover Curiosity da NASA dá uma ideia do passado de Marte, numa época, há cerca de 3,7 mil milhões de anos, em que era mais quente e mais húmido.
Através de medições de rácios isotópicos de oxigénio, uma equipa de colaboradores, incluindo investigadores do Caltech e do JPL da NASA, descobriu que o lago que existiu na cratera Gale de Marte estava a sofrer uma evaporação significativa mais cedo do que a mineralogia e a geoquímica dos sedimentos do leito do lago sugeriam. O processo de evaporação, embora comum para nós na Terra, dá pistas importantes sobre o antigo clima marciano. A presença de assinaturas de evaporação nas composições isotópicas da água extraída de minerais de argila nas rochas marcianas indica que a atmosfera marciana era quente, mas também seca, promovendo a evaporação da água parada.
“‘Quente’ é relativo”, diz Amy Hofmann, associada do Caltech e cientista investigadora do JPL, que o Caltech gere para a NASA. “Estamos a falar de um pouco acima do ponto de congelação, mas estava suficientemente quente para suportar potencialmente os tipos de química pré-biótica em que os astrobiólogos estão interessados. Esta foi uma altura dinâmica na história de Marte: o planeta estava no meio de uma transição climática global, mas sabemos, pelas rochas da cratera Gale, que a superfície de Marte ainda estava a sofrer meteorização química, e as águas do lago tinham um pH quase neutro e não eram particularmente salgadas. Por isso, se juntarmos a esta mistura os compostos orgânicos simples anteriormente descobertos nestas mesmas rochas, temos um ambiente local convincentemente habitável”.
Hofmann é a autora principal de um novo artigo científico que descreve o estudo, publicado no passado dia 20 de outubro na revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences).
O estudo centra-se nos isótopos de oxigénio em vez dos isótopos de hidrogénio, mais habitualmente estudados. O projeto é o primeiro a encontrar fortes enriquecimentos de oxigénio-18 num antigo reservatório marciano de água. O oxigénio-18 é uma forma relativamente rara de oxigénio que é mais pesada do que o seu equivalente típico, o oxigénio-16, devido ao facto de ter mais dois neutrões. Quando a água se evapora, as moléculas de H2O que contêm um átomo de oxigénio mais leve tendem a ser as primeiras a desaparecer, deixando para trás água líquida com uma maior concentração de oxigénio pesado.
A equipa estudou amostras recolhidas pelo rover Curiosity entre 2012 e 2021 na região da cratera Gale de Marte. Esta depressão profunda em Marte mostra sinais de ter contido em tempos um grande lago. O rover recolheu amostras de minerais de argila, que são conhecidos por reterem com maior precisão as assinaturas isotópicas de oxigénio e hidrogénio imputadas desde o momento em que se formaram. Embora os rácios de isótopos de oxigénio na atmosfera de Marte sejam bastante semelhantes aos rácios na Terra, a água extraída dos minerais de argila mostrou um forte enriquecimento de oxigénio mais pesado. Esta descoberta indica que a evaporação estava de facto a ocorrer na cratera Gale na altura em que estes sedimentos foram depositados.
“Esta descoberta da equipa do rover Curiosity é um importante passo em frente na nossa longa luta para compreender como a água moldou a superfície de Marte de formas que nos fazem lembrar a Terra, mas que são tão diferentes nos seus pormenores e nos seus resultados”, afirma o coautor John Eiler, professor de geologia e geoquímica e líder da Divisão de Ciências Geológicas e Planetárias de Caltech. “O mais importante para mim é a nova compreensão que adquirimos sobre a forma como a atmosfera mais seca e a hidrosfera em constante mudança em Marte controlavam os ciclos de vida dos seus lagos – indiscutivelmente os nossos melhores alvos para descobrir evidências de vida ou dos seus precursores químicos para além da Terra”.
// Caltech (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (PNAS)
Saiba mais:
Cratera Gale:
Wikipedia
CCVAlg – Astronomia Centro Ciência Viva do Algarve – Astronomia