A explosão de raios gama mais brilhante de sempre resultou do colapso de uma estrela massiva

Visualização artística do GRB 221009A mostrando os estreitos jatos relativistas (emergindo de um buraco negro central) que deram origem à explosão de raios gama e os remanescentes em expansão da estrela original ejetados pela explosão de supernova. Crédito: Aaron M. Geller/Northwestern/CIERA/Serviços informáticos de investigação e de dados

Em outubro de 2022, uma equipa internacional de investigadores observou a mais brilhante explosão de raios gama (GRB, sigla inglesa para “gamma-ray burst”) alguma vez registada, GRB 221009A. Agora, uma equipa liderada pela Universidade Northwestern confirmou que o fenómeno responsável pela explosão histórica – apelidada de BOAT (“brightest of all time”, a mais brilhante de todos os tempos) – é o colapso e subsequente explosão de uma estrela massiva. A equipa descobriu a explosão, ou supernova, utilizando o Telescópio Espacial James Webb da NASA.

Embora esta descoberta resolva um mistério, outro mistério aprofunda-se. Os investigadores especularam que a supernova recém-descoberta poderia conter indícios de elementos pesados, como a platina e o ouro. No entanto, a extensa pesquisa não encontrou a assinatura que acompanha esses elementos. A origem dos elementos pesados no Universo continua a ser uma das maiores questões em aberto da astronomia.

A investigação foi publicada no passado dia 12 de abril na revista Nature Astronomy.

“Quando confirmámos que o GRB foi gerado pelo colapso de uma estrela massiva, isso deu-nos a oportunidade de testar uma hipótese sobre a formação de alguns dos elementos mais pesados do Universo”, disse Peter Blanchard, da Northwestern, que liderou o estudo. “Não encontrámos assinaturas destes elementos pesados, o que sugere que GRBs extremamente energéticos como BOAT não produzem estes elementos. Isto não significa que todos os GRBs não os produzam, mas é uma informação fundamental para continuarmos a perceber de onde vêm estes elementos pesados. Futuras observações com o JWST irão determinar se os primos ‘normais’ da BOAT produzem estes elementos”.

“Este acontecimento é particularmente excitante porque alguns tinham colocado a hipótese de que uma explosão luminosa de raios gama como a BOAT poderia produzir muitos elementos pesados como o ouro e a platina,” disse a segunda autora Ashley Villar da Universidade de Harvard e do Centro de Astrofísica | Harvard & Smithsonian. “Se estivessem corretos, a BOAT deveria ter sido uma mina de ouro. É realmente surpreendente que não tenhamos visto qualquer evidência destes elementos pesados”.

Nascimento da BOAT

Quando a sua luz se abateu sobre a Terra, a 9 de outubro de 2022, a BOAT era tão brilhante que saturou a maioria dos detetores de raios gama do mundo. A poderosa explosão ocorreu a cerca de 2 mil milhões de anos-luz de distância da Terra, na direção da constelação de Sagitta (Flecha ou Seta), e durou algumas centenas de segundos. Enquanto os astrónomos se esforçavam por observar a origem deste fenómeno incrivelmente brilhante, foram imediatamente atingidos por uma sensação de espanto.

“Desde que temos sido capazes de detetar GRBs, não há dúvida de que este é o mais brilhante que já testemunhámos por um fator de 10 ou mais”, disse na altura Wen-fai Fong, professora associada de física e astronomia da Northwestern e membro do CIERA.

“O evento produziu alguns dos fotões mais energéticos alguma vez registados por satélites concebidos para detetar raios gama”, disse Blanchard. “Este foi um evento que a Terra vê apenas uma vez a cada 10.000 anos. Temos a sorte de viver numa época em que dispomos da tecnologia para detetar estas explosões que ocorrem em todo o Universo. É muito emocionante observar um fenómeno astronómico tão raro como a BOAT e de trabalhar para compreender a física por detrás deste acontecimento excecional”.

Uma supernova “normal”

Em vez de observar o evento imediatamente, Blanchard, Villar e a sua equipa queriam ver o GRB durante as suas fases posteriores. Cerca de seis meses depois de o GRB ter sido inicialmente detetado, Blanchard e Villar usaram o JWST para examinar o rescaldo.

“O GRB era tão brilhante que obscureceu qualquer potencial assinatura da supernova nas primeiras semanas e meses após a explosão”, disse Blanchard. Nessas alturas, o chamado brilho remanescente do GRB era como os faróis de um carro a vir na nossa direção, impedindo-nos de ver o próprio carro. Por isso, tivemos de esperar que desvanecesse significativamente para termos uma hipótese de ver a supernova”.

“Tivemos sorte que o JWST tinha recentemente sido lançado e conseguiu efetuar estas observações”, disse Villar. “A Via Láctea estava em frente da BOAT e a sua poeira bloqueou toda a luz azul que normalmente veríamos. O JWST consegue atravessar esta poeira e dar-nos uma visão realmente incrível no infravermelho.”

A equipa utilizou o NIRSpec (Near Infrared Spectrograph) do JWST para descobrir a assinatura característica de elementos como o cálcio e o oxigénio, tipicamente encontrados numa supernova. Surpreendentemente, não era excecionalmente brilhante – como o GRB incrivelmente brilhante que a acompanhava.

“Não é mais brilhante do que as supernovas anteriores”, disse Blanchard. “Parece bastante normal no contexto de outras supernovas associadas a GRBs menos energéticos. Poder-se-ia esperar que a mesma estrela em colapso que produz um GRB muito energético e brilhante produzisse também uma supernova muito energética e brilhante. Mas parece que não é esse o caso. Temos este GRB extremamente luminoso, mas uma supernova normal”.

Em falta: elementos pesados

Depois de confirmarem – pela primeira vez – a presença da supernova, Blanchard e os seus colaboradores procuraram evidências da presença de elementos pesados no seu interior. Atualmente, os astrofísicos têm uma imagem incompleta de todos os mecanismos no Universo que podem produzir elementos mais pesados do que o ferro.

O principal mecanismo de produção de elementos pesados, o processo de captura rápida de neutrões, requer uma elevada concentração de neutrões. Até agora, os astrofísicos só confirmaram a produção de elementos pesados através deste processo na fusão de duas estrelas de neutrões, uma colisão detetada pelo LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) em 2017. Mas os cientistas dizem que deve haver outras formas de produzir estes materiais esquivos. Há simplesmente demasiados elementos pesados no Universo e muito poucas fusões de estrelas de neutrões.

“É provável que exista outra fonte”, disse Blanchard. “É necessário muito tempo para que as estrelas de neutrões binárias se fundam. Duas estrelas num sistema binário têm primeiro de explodir para deixar para trás estrelas de neutrões. Depois, pode levar milhares de milhões de anos para que as duas estrelas de neutrões se aproximem lentamente e finalmente se fundam. Mas observações de estrelas muito antigas indicam que partes do Universo foram enriquecidas com metais pesados antes de a maioria das estrelas de neutrões binárias terem tido tempo de se fundir. Isto aponta-nos para um canal alternativo”.

Os astrofísicos levantaram a hipótese dos elementos pesados poderem também ser produzidos pelo colapso de uma estrela massiva de rotação rápida – o tipo exato de estrela que gerou a BOAT Usando o espetro infravermelho obtido pelo JWST, Blanchard estudou as camadas interiores da supernova, onde os elementos pesados se deveriam formar.

“O material explodido da estrela é opaco nos primeiros tempos, por isso só se podem ver as camadas exteriores”, disse Blanchard. “Mas quando se expande e arrefece, torna-se transparente. Então podemos ver os fotões que vêm da camada interior da supernova.”

“Além disso, diferentes elementos absorvem e emitem fotões em diferentes comprimentos de onda, dependendo da sua estrutura atómica, dando a cada elemento uma assinatura espetral única”, explicou Blanchard. “Por isso, a observação do espetro de um objeto pode dizer-nos que elementos estão presentes. Ao examinarmos o espetro da BOAT, não observámos qualquer assinatura de elementos pesados, o que sugere que eventos extremos como GRB 221009A não são fontes primárias. Esta informação é crucial para continuarmos a tentar determinar onde se formam os elementos mais pesados”.

Porquê tão brilhante?

Para separar a luz da supernova da luz brilhante que a precedeu, os investigadores emparelharam os dados do JWST com observações do ALMA (Atacama Large Millimeter/Submillimeter Array) no Chile.

“Mesmo vários meses após a descoberta da explosão, o brilho remanescente era suficientemente elevado para contribuir com muita luz nos espectros do JWST”, disse Tanmoy Laskar, professor assistente de física e astronomia na Universidade de Utah e coautor do estudo. “A combinação dos dados dos dois telescópios ajudou-nos a medir exatamente o brilho remanescente na altura das observações do JWST e permitiu-nos extrair cuidadosamente o espetro da supernova”.

Embora os astrofísicos ainda não tenham descoberto como é que uma supernova “normal” e um GRB recorde foram produzidos pela mesma estrela em colapso, Laskar disse que pode estar relacionado com a forma e a estrutura dos jatos relativistas. Quando estrelas massivas e de rotação rápida colapsam em buracos negros, produzem jatos de material que são lançados a velocidades próximas da velocidade da luz. Se estes jatos forem estreitos, produzem um feixe de luz mais focado – e mais brilhante.

“É como focar o feixe de uma lanterna numa coluna estreita, em vez de um feixe largo que ilumina uma parede inteira”, disse Laskar. “De facto, este foi um dos jatos mais estreitos observados até agora numa explosão de raios gama, o que nos dá uma pista sobre a razão pela qual o brilho remanescente foi tão intenso. Poderá haver também outros factores responsáveis, uma questão que os investigadores irão estudar nos próximos anos”.

Outras pistas podem também vir de futuros estudos da galáxia em que ocorreu a BOAT “Para além de um espetro da própria BOAT, obtivemos também um espetro da sua galáxia ‘hospedeira'”, disse Blanchard. “O espetro mostra sinais de formação estelar, sugerindo que o ambiente de nascimento da estrela original pode ser diferente dos eventos anteriores.”

Yijia Li, membro da equipa e estudante na Universidade do Estado da Pensilvânia, modelou o espetro da galáxia, descobrindo que a galáxia hospedeira da BOAT tem a mais baixa metalicidade, uma medida da abundância de elementos mais pesados do que o hidrogénio e o hélio, de todas as galáxias hospedeiras de GRB anteriores.

“Este é outro aspeto único da BOAT que pode ajudar a explicar as suas propriedades”, disse Li. “A energia libertada na BOAT foi completamente fora de série, um dos eventos mais energéticos que os humanos alguma vez viram. O facto de também parecer ter nascido de gás quase primordial pode ser uma pista importante para compreender as suas propriedades superlativas.”

// Universidade Northwestern (comunicado de imprensa)
// Universidade do Estado da Pensilvânia (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Nature Astronomy)

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