Primeiros resultados do DESI fornecem a medição mais precisa do nosso Universo em expansão

O DESI (Dark Energy Spectroscopic Instrument) fez o maior mapa 3D do nosso Universo até à data. A Terra está no centro desta fina fatia do mapa completo. Na secção ampliada, é fácil ver a estrutura subjacente da matéria no nosso Universo. Crédito: Colaboração Claire Lamman/DESI; pacote de mapas de cores personalizado por cmastro

Os investigadores utilizaram o DESI (Dark Energy Spectroscopic Instrument) para elaborar o maior mapa 3D do nosso Universo e efetuar medições de ponta da energia escura, a misteriosa causa da sua expansão acelerada.

Com 5000 pequenos “robôs” num telescópio situado no topo de uma montanha, os investigadores podem olhar 11 mil milhões de anos para o passado. A luz de objetos distantes no espaço só agora chega ao DESI, permitindo-nos mapear o nosso cosmos tal como era na sua juventude e traçar o seu crescimento até ao que vemos hoje. A compreensão da evolução do nosso Universo está ligada à forma como termina e a um dos maiores mistérios da física: a energia escura, o ingrediente desconhecido que faz com que o nosso Universo se expanda cada vez mais depressa.

Para estudar os efeitos da energia escura ao longo dos últimos 11 mil milhões de anos, o DESI criou o maior mapa 3D do nosso cosmos alguma vez construído, com as medições mais precisas até à data. É a primeira vez que os cientistas medem a história da expansão do jovem Universo com uma precisão inferior a 1%, dando-nos a melhor visão de sempre sobre a evolução do Universo. Os investigadores partilharam a análise do seu primeiro ano de dados em vários artigos científicos publicados no website arXiv e em palestras da Sociedade Física Americana e no “Rencontres” de Moriond, Itália.

“Estamos incrivelmente orgulhosos dos dados, que produziram resultados cosmológicos de ponta e são os primeiros da nova geração de experiências de energia escura”, disse Michael Levi, diretor do DESI e cientista do Berkeley Lab (Lawrence Berkeley National Laboratory) do Departamento de Energia dos EUA, que gere o projeto. “Até agora, estamos a ver uma concordância básica com o nosso melhor modelo do Universo, mas também estamos a ver algumas diferenças potencialmente interessantes que podem indicar que a energia escura está a evoluir com o tempo. Estas diferenças podem ou não desaparecer com mais dados, pelo que estamos ansiosos por começar a analisar, em breve, o nosso conjunto de dados recolhidos ao longo de três anos.”

O nosso principal modelo do Universo é conhecido como Lambda-CDM. Inclui um tipo de matéria com interação fraca (matéria escura fria, ou CDM, “cold dark matter”) e energia escura (Lambda). Tanto a matéria escura como a energia escura moldam a forma como o Universo se expande – mas de formas opostas. A matéria normal e a matéria escura abrandam a expansão, ao passo que a energia escura a acelera. A quantidade de cada um destes componentes influencia a forma como o nosso Universo evolui. Este modelo faz um bom trabalho na descrição dos resultados de experiências anteriores e na descrição do aspeto do Universo ao longo do tempo.

No entanto, quando os resultados do primeiro ano do DESI são combinados com dados de outros estudos, existem algumas diferenças subtis em relação ao que o Modelo Lambda-CDM prevê. À medida que o DESI recolhe mais informações durante o seu levantamento de cinco anos, estes primeiros resultados tornar-se-ão mais precisos, esclarecendo se os dados apontam para explicações diferentes para os resultados que observamos ou para a necessidade de atualizar o modelo. Mais dados permitirão também melhorar os outros resultados iniciais do DESI, que avaliam a constante de Hubble (uma medida da velocidade a que o Universo se expande atualmente) e a massa de partículas chamadas neutrinos.

“Nenhuma experiência espetroscópica tinha tido tantos dados antes e continuamos a recolher, todos os meses, dados de mais de um milhão de galáxias”, disse Nathalie Palanque-Delabrouille, cientista do Berkeley Lab e coporta-voz da experiência. “É espantoso que, apenas com o nosso primeiro ano de dados, já possamos medir a história da expansão do nosso Universo em sete ‘fatias’ diferentes do tempo cósmico, cada uma com uma precisão de 1 a 3%. A equipa trabalhou imenso para ter em conta as complexidades instrumentais e de modelização teórica, o que nos dá confiança na robustez dos nossos primeiros resultados”.

A precisão global do DESI, relativamente à história da expansão durante 11 mil milhões de anos, é de 0,5%, e a época mais distante, que abrange 8-11 mil milhões de anos no passado, tem uma precisão recorde de 0,82%. Esta medição do nosso jovem Universo é incrivelmente difícil de efetuar. No entanto, no espaço de um ano, o DESI tornou-se duas vezes mais poderoso na medição da história da expansão nestes primeiros tempos do que o seu antecessor (o BOSS/eBOSS do Sloan Digital Sky Survey), que demorou mais de uma década.

“Estamos muito satisfeitos por ver os resultados cosmológicos do primeiro ano de funcionamento do DESI”, disse Gina Rameika, diretora associada para a Física de Altas Energias no Departamento de Energia dos EUA. “O DESI continua a surpreender-nos com o seu desempenho excecional e já está a moldar a nossa compreensão do Universo.”

Uma impressão artística que mostra como o DESI utiliza quasares distantes para mapear a estrutura em grande escala do Universo. À medida que a luz dos quasares viaja através do cosmos, é absorvida por nuvens intergalácticas de gás. Esta absorção pode ser detetada na luz recolhida pelo DESI, permitindo aos astrónomos mapear as bolsas de matéria densa. O DESI está montado no Telescópio Nicholas U. Mayall de 4 metros, no Observatório Nacional de Kitt Peak.
Crédito: NOIRLab/NSF/AURA/P. Marenfeld

Viajando no tempo

O DESI é uma colaboração internacional em que participam mais de 900 investigadores de mais de 70 instituições espalhadas por todo o mundo. O instrumento foi construído e é operado com financiamento do Gabinete de Ciência do Departamento de Energia dos EUA e está instalado no topo do Telescópio Nicholas U. Mayall de 4 metros, no Observatório Nacional de Kitt Peak, um programa do NOIRLab da NSF (Fundação Nacional de Ciência dos EUA).

Olhando para o mapa do DESI, é fácil ver a estrutura subjacente do Universo: cadeias de galáxias agrupadas, separadas por vazios com menos objetos. O nosso Universo primitivo, para lá da visão do DESI, era bastante diferente: uma sopa quente e densa de partículas subatómicas que se moviam demasiado depressa para formar matéria estável como os átomos que conhecemos hoje. Entre essas partículas estavam núcleos de hidrogénio e hélio, coletivamente chamados bariões.

Pequenas flutuações neste plasma ionizado inicial causavam ondas de pressão, movendo os bariões num padrão de ondulações que é semelhante ao que veríamos se atirássemos várias pedras para um lago. À medida que o Universo se expandia e arrefecia, formaram-se átomos neutros e as ondas de pressão pararam, congelando as ondulações em três dimensões e aumentando o agrupamento das futuras galáxias nas áreas densas. Milhares de milhões de anos depois, ainda podemos ver este padrão ténue de ondulações 3D, ou bolhas, na separação característica das galáxias – um elemento chamado OABs (Oscilações Acústicas de Bariões).

Os investigadores utilizam as medições das OABs como uma régua cósmica. Medindo o tamanho aparente destas bolhas, podem determinar as distâncias à matéria responsável por este padrão extremamente ténue no céu. O mapeamento das bolhas OAB, tanto perto como longe, permite aos investigadores dividir os dados em partes, medir a velocidade a que o Universo se expandiu em cada momento do seu passado e modelar a forma como a energia escura afeta essa expansão.

“Medimos a história da expansão ao longo deste enorme intervalo de tempo cósmico com uma precisão que ultrapassa todos os anteriores levantamentos OAB combinados”, disse Hee-Jong Seo, professora na Universidade do Ohio e colíder da análise OAB do DESI. “Estamos muito entusiasmados por saber como estas novas medições irão melhorar e alterar a nossa compreensão do cosmos. Os humanos têm um fascínio intemporal pelo nosso Universo, querendo saber de que é feito e o que lhe vai acontecer.”

A utilização de galáxias para medir a história da expansão e compreender melhor a energia escura é uma técnica, mas só pode ir até certo ponto. A certa altura, a luz das galáxias típicas é demasiado ténue, pelo que os investigadores recorrem aos quasares, núcleos galácticos extremamente distantes e brilhantes com buracos negros no centro. A luz dos quasares é absorvida à medida que atravessa nuvens intergalácticas de gás, permitindo aos investigadores mapear as bolsas de matéria densa e utilizá-las da mesma forma que utilizam as galáxias – uma técnica conhecida como utilização da “floresta Lyman-alpha”.

“Usamos os quasares como luz de fundo para ver basicamente a sombra do gás interveniente entre os quasares e nós”, disse Andreu Font-Ribera, cientista do IFAE (Institute for High Energy Physics) em Espanha, que colidera a análise da floresta Lyman-alpha do DESI. “Permite-nos olhar para mais longe, para quando o Universo era muito jovem. É uma medição muito difícil de fazer e é muito emocionante ver que foi bem-sucedida.”

Os investigadores utilizaram 450.000 quasares, o maior conjunto alguma vez recolhido para estas medições da floresta Lyman-alpha, para alargar as suas medições OAB até 11 mil milhões de anos no passado. No final do levantamento, o DESI planeia mapear 3 milhões de quasares e 37 milhões de galáxias.

Este diagrama revela um padrão característico – OABs (Oscilações Acústicas de Bariões), ou “bolhas” OAB – em diferentes idades do Universo. A quantidade de energia escura determina a rapidez com que o Universo cresce e, por conseguinte, o tamanho das bolhas. As linhas sólidas e tracejadas representam previsões do tamanho das bolhas, dependendo do facto da energia escura evoluir ou não com o tempo. O DESI irá recolher mais dados para determinar qual o modelo que melhor descreve o Universo.
Crédito: Colaboração DESI/A. de Mattia

Ciência de ponta

O DESI é a primeira experiência espetroscópica a efetuar uma análise totalmente “cega”, que oculta o verdadeiro resultado aos cientistas para evitar qualquer viés de confirmação subconsciente. Os investigadores trabalham no “escuro” com dados modificados, escrevendo o código para analisar as suas descobertas. Quando tudo está finalizado, aplicam a sua análise aos dados originais para revelar a resposta real.

“A forma como fizemos a análise dá-nos confiança nos nossos resultados e, em particular, mostra que a floresta Lyman-alpha é uma ferramenta poderosa para medir a expansão do Universo”, disse Julien Guy, cientista do Berkeley Lab e colíder do processamento da informação dos espetrógrafos do DESI. “O conjunto de dados que estamos a recolher é excecional, tal como o ritmo a que os estamos a recolher. Esta é a medição mais precisa que alguma vez fiz na minha vida”.

Os dados do DESI serão usados para complementar futuros levantamentos do céu, como o Observatório Vera C. Rubin e o Telescópio Espacial Nancy Grace Roman, e para preparar uma potencial atualização do DESI (DESI-II) que foi recomendada num relatório recente do Painel de Priorização de Projetos de Física de Partículas dos EUA.

“Estamos na era dourada da cosmologia, com levantamentos a grande escala em curso e prestes a serem iniciados, e com novas técnicas a serem desenvolvidas para fazer o melhor uso destes conjuntos de dados”, disse Arnaud de Mattia, um investigador da Comissão Francesa de Energias Alternativas e Energia Atómica e colíder do grupo do DESI que interpreta os dados cosmológicos. “Estamos todos muito motivados para ver se os novos dados confirmarão as características que observámos na nossa amostra do primeiro ano e para construir uma melhor compreensão da dinâmica do nosso Universo.”

// Berkeley Lab (comunicado de imprensa)
// DESI (comunicado de imprensa)
// NOIRLab (comunicado de imprensa)
// Universidade da Califórnia em Santa Cruz (comunicado de imprensa)
// Universidade de Rochester (comunicado de imprensa)
// Universidade do Texas em Dallas (comunicado de imprensa)
// Universidade do Utah (comunicado de imprensa)
// Universidade de Pittsburgh (comunicado de imprensa)
// Universidade de Michigan (comunicado de imprensa)
// Universidade de Portsmouth (comunicado de imprensa)
// Universidade de Durham (comunicado de imprensa)
// UCL (comunicado de imprensa)
// IEEC (comunicado de imprensa)
// Universidade de Barcelona (comunicado de imprensa)
// Universidade de Waterloo (comunicado de imprensa)
// Universidade de Queensland (comunicado de imprensa)
// Página com os artigos científicos do 1.º ano do DESI e respetivos artigos complementares

Saiba mais:

Notícias relacionadas:
Science
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Universo:
Wikipedia
Estrutura a grande-escala do Universo (Wikipedia)
Big Bang (Wikipedia)
Cronologia do Universo (Wikipedia)Modelo Lambda-CDM (Wikipedia)

Energia escura:
Wikipedia

Barião:
Wikipedia

Matéria escura:
Wikipedia

Matéria [comum]:
Wikipedia

Quasar:
Wikipedia

Buraco negro supermassivo:
Wikipedia

OABs (Oscilações Acústicas de Bariões):
NASA
Página de Martin White
Wikipedia

Floresta Lyman-alpha:
Wikipedia

DESI (Dark Energy Spectroscopic Instrument):
Página oficial
Wikipedia

Telescópio Mayall:
NOIRLab
Wikipedia
DESI (NOIRLab)

Sobre Miguel Montes

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