A Onda Radcliffe está a ondular

O modo como a Onda Radcliffe se move através do nosso “quintal” (o Sol é o ponto amarelo). Os pontos azuis são enxames de estrelas bebés. A linha branca é um modelo teórico de Ralf Konietzka e colaboradores que explica a forma e o movimento atual da Onda. As linhas magenta e verde no início mostram como e em que medida a Onda Radcliffe se moverá no futuro. O fundo é um modelo da Via Láctea.
Crédito: Ralf Konietzka, Alyssa Goodman e WorldWide Telescope

Há alguns anos, os astrónomos do Centro de Astrofísica | Harvard & Smithsonian (CfA) descobriram um dos maiores segredos da Via Láctea: uma enorme cadeia de nuvens de gás, em forma de onda, no nosso “quintal”, dando origem a enxames de estrelas ao longo do braço espiral da Galáxia a que chamamos casa.

Dando o nome “Onda Radcliffe” a esta nova e espantosa estrutura, em honra do Instituto Radcliffe de Harvard onde a ondulação foi originalmente descoberta, os astrónomos do CfA relatam agora na revista Nature que a Onda Radcliffe não só se parece com uma onda, mas também se move como uma – oscilando através do espaço tal como “a onda” se move através de um estádio cheio de adeptos.

“Usando o movimento das estrelas bebés nascidas nas nuvens de gás ao longo da Onda de Radcliffe”, disse Ralf Konietzka, autor principal do artigo científico e estudante de doutoramento na Escola de Artes e Ciências Kenneth C. Griffin de Harvard e no CfA, “podemos seguir o movimento do seu gás natal para mostrar que a Onda Radcliffe está realmente a ondular”.

Em 2018, quando João Alves, professor da Universidade de Viena, era membro do Instituto Radcliffe de Harvard, trabalhou com Catherine Zucker – na altura aluna de doutoramento em Harvard e agora astrofísica do Observatório Astrofísico Smithsonian no CfA – e Alyssa Goodman, professora de astronomia aplicada no CfA, para mapear as posições 3D dos berçários estelares na vizinhança galáctica do Sol. Combinando dados novíssimos da missão Gaia da ESA com a técnica de mapeamento 3D da poeira, notaram a emergência de um padrão que levou à descoberta da Onda Radcliffe em 2020.

“É a maior estrutura coerente que conhecemos e está muito, muito perto de nós”, disse Zucker. “Tem estado sempre lá. Só não sabíamos da sua existência porque não podíamos construir estes modelos de alta resolução da distribuição das nuvens de gás, perto do Sol, em 3D.”

O mapa 3D da poeira de 2020, desenvolvido no Centro de Astrofísica | Harvard & Smithsonian, mostrou claramente que a Onda de Radcliffe existia, mas as medições disponíveis na altura não eram suficientemente boas para ver se a onda estava a mover-se. Mas em 2022, usando uma versão mais recente dos dados Gaia, o grupo de Alves atribuiu movimentos 3D aos jovens enxames de estrelas na Onda Radcliffe. Com as posições e movimentos dos enxames em mão, a equipa de Konietzka determinou então que toda a Onda Radcliffe está, de facto, a ondular.

Os enxames de estrelas ao longo da Onda Radcliffe movem-se para cima e para baixo, como as pessoas num estádio desportivo a fazer “a onda”, criando um padrão que viaja através do nosso quintal galáctico.

“À semelhança da forma como os adeptos num estádio são puxados para os seus lugares pela gravidade da Terra”, disse Konietzka, “a Onda Radcliffe oscila devido à gravidade da Via Láctea”.

Compreender o comportamento desta estrutura gigantesca com 9000 anos-luz de comprimento no nosso quintal galáctico, a apenas 500 anos-luz de distância do Sol no seu ponto mais próximo, permite agora aos investigadores voltarem a sua atenção para questões ainda mais desafiantes. Ninguém sabe ainda o que causou a Onda Radcliffe ou porque é que ela se move da forma como se move.

“Agora podemos testar todas as diferentes teorias que explicam a formação da onda”, disse Zucker.

“Essas teorias vão desde explosões de estrelas massivas, chamadas supernovas, a perturbações fora da Galáxia, como a colisão de uma galáxia satélite anã com a nossa Via Láctea”, acrescentou Konietzka.

O artigo científico da revista Nature inclui também um cálculo da quantidade de matéria escura que pode estar a contribuir para a gravidade responsável pelo movimento da Onda.

“Ao que parece, não é necessária matéria escura significativa para explicar o movimento que observamos”, disse Konietzka. “Só a gravidade da matéria normal é suficiente para conduzir a ondulação da Onda”.

Para além disso, a descoberta da oscilação levanta novas questões sobre a preponderância destas ondas tanto na Via Láctea como noutras galáxias. Uma vez que a Onda Radcliffe parece formar a espinha dorsal do braço espiral mais próximo da Via Láctea, a oscilação da Onda pode implicar que os braços espirais das galáxias oscilam em geral, tornando as galáxias ainda mais dinâmicas do que se pensava anteriormente.

“A questão é: o que causou a deslocação que deu origem à ondulação que vemos?”, disse Goodman. “E será que isso acontece em toda a Galáxia? Em todas as galáxias? Acontece ocasionalmente? Será que está sempre a acontecer?”

// Centro de Astrofísica | Harvard & Smithsonian (comunicado de imprensa)
// Universidade de Munique (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Nature)
// Artigo científico (arXiv.org)

Saiba mais:

Notícias relacionadas:
EurekAlert!Universe TodayPHYSORGInversescience alert

Onda Radcliffe:
“Surfe” a Onda Radcliffe (Harvard via Google sites)
Mapa 3D interativo (Cosmic Data Stories e Worldwide Telescope)
Wikipedia

Via Láctea:
Wikipedia
SEDS

Gaia:
ESA
ESA – 2
Gaia/ESA
Programa Alertas de Ciência Fotométrica do Gaia
Catálogo DR3 do Gaia
Wikipedia

Sobre Miguel Montes

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