Uma visão radicalmente nova das galáxias anãs que rodeiam a Via Láctea

As galáxias anãs em torno da Via Láctea.
Crédito: ESA/Gaia/DPAC

Embora se pense que são, há muito tempo, satélites da nossa Galáxia, um novo estudo revela agora indícios de que a maioria dessas galáxias anãs pode, de facto, ser destruída pouco depois da sua entrada no halo Galáctico. Graças ao mais recente catálogo do satélite Gaia da ESA, uma equipa internacional demonstrou agora que as galáxias anãs podem estar fora de equilíbrio. O estudo levanta questões importantes sobre o modelo cosmológico padrão, nomeadamente sobre a prevalência da matéria escura no nosso ambiente mais próximo. Há muito que se supõe que as galáxias anãs em torno da Via Láctea são satélites antigos que orbitam a nossa Galáxia há cerca de 10 mil milhões de anos. Isto obriga-as a conter enormes quantidades de matéria escura para as proteger dos enormes efeitos de maré da atração gravitacional da nossa Galáxia. Partiu-se do princípio que a matéria escura causava as grandes diferenças observadas nas velocidades das estrelas dentro destas galáxias anãs.

Os últimos dados Gaia revelaram agora uma visão completamente diferente das propriedades das galáxias anãs. Astrónomos do Observatório de Paris, do CNRS (Centre national de la recherche scientifique) e do Instituto Leibniz de Astrofísica de Potsdam conseguiram datar a história da Via Láctea, graças à relação que liga a energia orbital de um objeto à sua época de entrada no halo, o momento em que foram capturados pela primeira vez pelo campo gravitacional da Via Láctea: os objetos que chegaram mais cedo, quando a Via Láctea era menos massiva, têm energias orbitais mais baixas do que os que chegaram mais recentemente. As energias orbitais da maioria das galáxias anãs são, surpreendentemente, substancialmente maiores do que a da galáxia anã Sagitário que entrou no halo há 5 a 6 mil milhões de anos. Isto implica que a maioria das galáxias anãs chegou muito mais recentemente, há menos de três mil milhões de anos.

Uma chegada tão recente implica que as anãs próximas vêm de fora do halo, onde se observa que quase todas as galáxias anãs contêm enormes reservatórios de gás neutro. As galáxias ricas em gás perderam o seu gás quando colidiram com o gás quente do halo Galáctico. A violência dos choques e da turbulência neste processo alterou completamente as galáxias anãs. Enquanto as galáxias anãs anteriormente ricas em gás eram dominadas pela rotação do gás e das estrelas, quando se transformam em sistemas sem gás a sua gravidade passa a ser equilibrada pelos movimentos aleatórios das estrelas que restam. As galáxias anãs perdem o seu gás num processo tão violento que as coloca fora de equilíbrio, o que significa que a velocidade a que as suas estrelas se movem já não está em equilíbrio com a sua aceleração gravitacional. Os efeitos combinados da perda de gás e dos choques gravitacionais devido ao mergulho na Galáxia explicam bem a grande dispersão de velocidades das estrelas no interior da galáxia anã remanescente.

Uma das curiosidades deste estudo é o papel da matéria escura. Em primeiro lugar, a ausência de um equilíbrio impede qualquer estimativa da massa dinâmica das galáxias anãs da Via Láctea e do seu conteúdo de matéria escura. Em segundo lugar, enquanto no cenário anterior a matéria escura protegia a suposta estabilidade das galáxias anãs, o invocar da matéria escura torna-se bastante estranho para objetos fora de equilíbrio. De facto, se a anã já contivesse muita matéria escura, esta teria estabilizado o seu disco inicial de estrelas em rotação, impedindo a transformação da anã numa galáxia com movimentos estelares aleatórios, como observado.

A descrição da recente chegada de galáxias anãs e das suas transformações no halo explica bem muitas das propriedades observadas destes objetos, em particular a razão pela qual têm estrelas a grandes distâncias do seu centro. As suas propriedades parecem compatíveis com a ausência de matéria escura, contrariamente à ideia anterior de que as galáxias anãs são os objetos mais dominados pela matéria escura. Surgem agora muitas questões, tais como: onde estão as muitas galáxias anãs dominadas por matéria escura que o modo cosmológico padrão espera em torno da Via Láctea? Como podemos inferir o conteúdo de matéria escura de uma galáxia anã se não se pode assumir o equilíbrio? Que outras observações poderiam distinguir entre as galáxias anãs fora de equilíbrio propostas e o quadro clássico com anãs dominadas por matéria escura?

// Instituto Leibniz de Astrofísica de Potsdam (comunicado de imprensa)
// Observatório de Paris (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Monthly Notices of the Royal Astronomical Society)
// Artigo científico (arXiv.org)

Saiba mais:

Galáxias satélites da Via Láctea:
Wikipedia

Galáxia anã esferoidal de Sagitário:
SEDS
Wikipedia

Galáxias anãs:
Wikipedia

Via Láctea:
Wikipedia
SEDS

Matéria escura:
Wikipedia

Gaia:
ESA
ESA – 2
Gaia/ESA
Programa Alertas de Ciência Fotométrica do Gaia
Catálogo DR3 do Gaia
Wikipedia

Sobre Miguel Montes

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