A sonda Mars Express está a celebrar 20 anos

Impressão de artista da sonda Mars Express. A nave espacial deixou a Terra no dia 2 de junho de 2003. Alcançou o seu destino após uma viagem de seis meses e tem vindo a investigar o planeta desde o início de 2004.
Crédito: ESA – D. Ducros

A sonda Mars “Express” recebeu este nome por ter sido construída e lançada em tempo recorde e a um custo muito inferior ao de missões anteriores semelhantes, mas nada mais passou rapidamente. Em todos os aspetos, a Mars Express sobreviveu, superou e, de facto, ultrapassou todas as expectativas.

Em anos humanos, a Mars Express seria agora muito velha, tendo sobrevivido cinco vezes mais tempo do que aquele para que foi projetada. Embora possa estar a sentir a sua idade avançada, continua a revelar o Planeta Vermelho, com implicações para a nossa compreensão do nosso próprio lar.

Mars Express: momentos marcantes

Lançada no dia 2 de junho de 2003, a partir do Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão, a Mars Express iniciou a primeira viagem da Europa para explorar o nosso vizinho carmesim e, na realidade, de qualquer outro planeta. Transportando um conjunto de instrumentos científicos, a nave espacial tinha como objetivo estudar a geologia, o clima e a atmosfera de Marte, fornecendo informações valiosas sobre a sua história e o seu potencial para albergar vida

Um dos feitos mais significativos da missão foi a chegada bem-sucedida a Marte, no dia 25 de dezembro de 2003, quando a nave espacial entrou habilmente em órbita do planeta – uma proeza nada fácil. Capturada pela gravidade de Marte, abriu-se uma janela que nos permitiu captar imagens de cortar a respiração da superfície marciana e da alteração dos padrões climáticos, revelando paisagens diversas, desde vulcões imponentes a vales profundos e antigos leitos de rios.

As imagens de alta resolução do instrumento HRSC (High Resolution Stereo Camera) do DLR (Deutsches Zentrum für Luft- und Raumfahrt e.V., o Centro Aeroespacial Alemão) continuam a fornecer aos cientistas dados inestimáveis, permitindo-lhes reconstruir a história geológica do planeta e lançar luz sobre o seu potencial para a vida, passada ou presente.

O instrumento HRSC da Mars Express da ESA obteve esta vista em perspetiva no dia 2 de fevereiro de 2005, durante a sua 1343.ª órbita , com uma resolução no solo de aproximadamente 15 metros por pixel. Mostra uma cratera de impacto sem nome localizada em Vastitas Borealis, e no seu centro, água gelada.
Crédito: ESA/DLR/FU Berlim (G. Neukum)

Mas não foram apenas as imagens que moldaram a nossa compreensão de Marte. O instrumento de radar da Mars Express, MARSIS (Mars Advanced Radar for Subsurface and Ionosphere Sounding), tem sido fundamental na deteção de água gelada à superfície do planeta e escondida, e o instrumento OMEGA (Observatoire pour la Minéralogie, l’Eau, les Glaces et l’Activité), numa das primeiras descobertas da sonda, encontrou água gelada exposta nas calotes polares.

Ainda mais excitante foi a descoberta, pelo MARSIS, de sinais de água líquida escondida sob camadas de gelo em regiões árticas e “reminiscentes do Lago Vostok, descoberto cerca de 4 km abaixo do gelo na Antártida, na Terra”.

Estas descobertas têm grandes implicações. Uma vez que a água é um ingrediente vital para a existência de vida tal como a conhecemos, a Mars Express despertou um maior interesse em futuras missões ao Planeta Vermelho, centradas na exploração da possibilidade de vida microbiana passada ou presente.

A missão com muito mais do que nove vidas

A longevidade da Mars Express não é um acaso. A sua longa vida e os anos de ciência “extra” devem-se ao design robusto da nave espacial e ao engenho e dedicação da equipa de operações da missão no controlo de missão da ESA em Darmstadt, Alemanha, da equipa de operações científicas no ESAC (European Space Astronomy Centre) em Madrid, Espanha, e dos cientistas e parceiros industriais espalhados por toda a Europa que ajudaram a manter a missão a voar muito para além do seu tempo de vida nominal planeado de um ano marciano (687 dias terrestres).

Juntos, os engenheiros e cientistas da Mars Express ultrapassaram um número impressionante de problemas a centenas de milhões de quilómetros de distância.

Pouco depois do lançamento, um problema com a cablagem do sistema de energia solar da Mars Express levou a que apenas 60% da energia esperada estivesse disponível. Este contratempo obrigou a equipa de controlo a desenvolver um conceito de missão totalmente novo nos seis meses que demorou a chegar a Marte, ajustando as definições de potência e conseguindo aumentá-la para cerca de 70%.

Os “números” da Mars Express.
Crédito: ESA

A caminho de Marte, a nave espacial também recuperou de vários modos de segurança e, durante o desdobramento da antena do radar MARSIS, a primeira parte ficou presa. A equipa teve de encontrar uma solução para a aquecer e conseguir libertá-la com sucesso – um problema idêntico aconteceu recentemente com a sonda JUICE (JUpiter Icy moon Explorer), a caminho do sistema de Júpiter, que felizmente também teve resolução feliz.

Em 2011, a Mars Express deparou-se com um grande problema de memória que resultou na perda das suas capacidades de armazenamento a longo prazo. Em resposta, as equipas desenvolveram um novo conceito operacional utilizando o armazenamento da memória de curto prazo da nave espacial, o que exigia encontrar uma forma de encaixar 3000 “telecomandos” numa fila que só podia conter 117 – o que conseguiram fazer.

Tendo em conta que as baterias da nave espacial também envelheceram com o tempo, a equipa de controlo da missão implementou medidas de poupança de energia cada vez mais elaboradas para maximizar a sua longevidade – ao otimizar o consumo e a utilização de energia, fizeram da Mars Express uma das naves mais eficientes a deixar a Terra.

Em 2014, a Mars Express teve de navegar num encontro muito próximo com o cometa Siding Spring. Apesar de o cometa não ter atingido Marte nem o orbitador de fabrico europeu, as partículas na sua cauda viajariam a uns impressionantes 56 km/segundo! Os engenheiros protegeram a missão desta poeira, ajustando a sua órbita e utilizando o próprio planeta Marte como escudo, ao mesmo tempo que conseguiram recolher observações científicas do momento único em que um cometa passou por um planeta rochoso.

Imagem obtida pelo Telescópio Espacial Hubble do Cometa Siding Spring, que preocupou a sonda Mars Express e os controladores da missão.
Crédito: NASA, ESA e J.-Y. Li (PSI)

E, em 2018, a Mars Express liderou o caminho ao ser a primeira nave espacial da ESA a ficar “sem giroscópio”. Muitas vezes, a parte que mais limita a vida útil de uma velha nave espacial são os giroscópios – unidades que giram rapidamente e que indicam à nave espacial para que lado está virada no espaço. Há cinco anos, a equipa de controlo de voo da missão reprogramou a nave espacial de modo a que os giroscópios pudessem ser desligados durante longos períodos de tempo, confiando apenas nas câmaras das estrelas para calcular a sua orientação e prolongando provavelmente a vida útil da missão em 10 anos.

Apesar de tudo isto (e muito mais), a Mars Express viveu 18 anos a mais do que o planeado. Até, numa ação inédita para uma nave espacial já em órbita, desenvolveu um novo instrumento – a “Mars Webcam”! O seu rádio de retransmissão MELACOM (Mars Express Lander Communications) foi reutilizado para estudar a atmosfera marciana juntamente com a sonda ExoMars TGO (Trace Gas Orbiter) da ESA e, mais importante, tem sido uma grande ajuda para toda a comunidade de missões científicas em Marte, desempenhando um papel vital no apoio às aterragens da missão Phoenix da NASA em 2008 e da missão MSL (Mars Science Laboratory), que transportou o rover Curiosity em 2012.

Mais Mars Express

A vida da Mars Express foi prolongada várias vezes e não é de admirar. A missão vai continuar a explorar o Planeta Vermelho até, pelo menos, 2026, como foi anunciado este ano na última extensão da missão.

O sucesso duradouro da Mars Express também proporciona lições valiosas para as próximas missões, incluindo o rover ExoMars e as missões de entrega de amostras, bem como mais oportunidades para apoiar os parceiros através da retransmissão de dados e do apoio à comunicação, incluindo a campanha MSR (Mars Sample Return) da NASA.

Em órbita a milhões de quilómetros da Terra, a Mars Express continua a revelar os segredos de Marte – um planeta que pode ter albergado vida e que no futuro poderá tornar-se num novo lar para a humanidade. Esta exploração é um alicerce para a nossa exploração contínua do Sistema Solar, mas é também uma oportunidade preciosa para olharmos para o nosso próprio planeta, para compreender o seu potencial futuro e para garantir que continua a ser o rodopiante ponto azul e verde que é hoje.

// ESA (comunicado de imprensa)

Saiba mais:

Mars Express:
ESA 
Wikipedia

Marte:
Wikipedia

Cometa Siding Spring (C/2013 A1):
NASA
Wikipedia 

Sobre Miguel Montes

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