Os magnetares são objetos bizarros – estrelas de neutrões massivas e giratórias com campos magnéticos dos mais poderosos conhecidos, capazes de disparar breves explosões de ondas de rádio tão brilhantes que são visíveis por todo o Universo.
Uma equipa de astrofísicos descobriu agora outra peculiaridade dos magnetares: podem emitir rajadas de raios-gama de baixa energia num padrão nunca antes visto em qualquer outro objeto astronómico.
Não se sabe exatamente qual a razão para tal, pois também ainda mal conhecemos os próprios magnetares, com dúzias de teorias sobre como produzem surtos de rádio e raios-gama. O reconhecimento deste padrão invulgar de atividade de raios-gama pode ajudar os teóricos a descobrir os mecanismos envolvidos.
“Os magnetares, que estão ligados às FRBs (“fast radio bursts”, inglês para rajadas rápidas de rádio), têm alguma coisa periódica no topo da sua aleatoriedade,” disse o astrofísico Bruce Grossan, astrofísico no Laboratório de Ciências Espaciais da Universidade da Califórnia, em Berkeley. “Este é outro mistério em cima do mistério de como os surtos são produzidos.”
Os investigadores – Grossan e o físico teórico e cosmólogo Eric Linder, do mesmo laboratório e também do Centro para Física Cosmológica de Berkeley, juntamente com o pós-doutorado Mikhail Denissenya da Universidade Nazarbayev no Cazaquistão – descobriram o padrão no ano passado em rajadas oriundas de um SGR (“soft gama repeater”, inglês para repetidor gama suave), de nome SGR 1935+2154, que é um magnetar, uma fonte prolífica de explosões de raios-gama de baixa energia (ou suaves) e a única fonte conhecida de FRBs na nossa Galáxia, a Via Láctea. Eles descobriram que o objeto emite rajadas aleatoriamente, mas apenas dentro de janelas regulares de quatro meses, cada janela ativa separada por três meses de inatividade.
No dia 19 de março, a equipa colocou online uma pré-impressão do seu artigo científico alegando “comportamento em janela periódica” de rajadas de raios-gama suaves oriundos de SGR 1935+2154 e previu que estas rajadas recomeçariam novamente depois de dia 1 de junho – após um hiato de três meses – e que poderiam ocorrer durante quatro meses numa janela que termina dia 7 de outubro.
No dia 24 de junho, três semanas após o início da janela de atividade, foi observado o primeiro surto de SGR 1935+2154 após o intervalo previsto de três meses, e desde então foram observadas quase uma dúzia de outras explosões, incluindo uma dia 6 de julho, o dia em que o artigo científico foi publicado na revista Physical Review D.
“Estas novas explosões, dentro desta janela de tempo, indicam que a nossa previsão está certa”, disse Grossan, que estuda transientes astronómicos altamente energéticos. “Provavelmente, mais importante, é que nenhuma explosão foi detetada entre as janelas desde que publicámos a nossa pré-impressão.”
Linder compara a não deteção de surtos em janelas de três meses a uma pista-chave – o “incidente curioso” que um cão de guarda não ladrou à noite – que permitiu que Sherlock Holmes resolvesse um assassinato na história “O Estrela de Prata”.
“Dados ausentes ou ocasionais são um pesadelo para qualquer cientista,” realçou Denissenya, o primeiro autor do artigo e membro do Laboratório do Cosmos Energético na Universidade Nazarbayev, fundado há vários anos por Grossan, Linder e pelo laureado com o Prémio Nobel e cosmólogo da UC Berkeley George Smoot. “No nosso caso, foi crucial perceber que explosões ausentes, ou nenhuma explosão, também contam como informação.”
A confirmação da sua previsão surpreendeu e entusiasmou os cientistas, que pensam que este pode ser um novo exemplo de um fenómeno – comportamento em janela periódica – que poderia caracterizar emissões de outros objetos astronómicos.
Minerando dados de satélite com 27 anos
No ano passado, os investigadores sugeriram que a emissão de FRBs – que normalmente duram alguns milésimo de segundo – de galáxias distantes pode ser agrupada num padrão de janela periódica. Mas os dados eram intermitentes e as ferramentas estatísticas e computacionais para estabelecer com firmeza tal afirmação com dados esparsos não estavam bem desenvolvidas.
Grossan convenceu Linder a explorar se técnicas e ferramentas avançadas poderiam ser usadas para demonstrar que o comportamento em janela periódica – mas também ainda aleatório, dentro de uma janela de atividade – estava presente nos dados de explosões de raios-gama suaves do magnetar SGR 1935+2154. O instrumento Konus a bordo da nave espacial Wind, lançada em 1994, registou explosões de raios-gama suaves desse objeto – que também exibe FRBs – desde 2014 e provavelmente nunca perdeu um brilhante.
Linder, membro do Supernova Cosmology Project com sede no Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, usou técnicas estatísticas avançadas para estudar o agrupamento, no espaço, de galáxias no Universo, e ele e Denissenya adaptaram estas técnicas para analisar o agrupamento de rajadas no tempo. A sua análise, a primeira a usar tais técnicas para eventos repetidos, mostrou uma periodicidade invulgar, em janelas distintas, de repetição muito precisa produzida por corpos giratórios ou em órbita, que a maioria dos astrónomos associa a um comportamento periódico.
“Até agora, observámos rajadas em 10 janelas periódicas desde 2014, e a probabilidade de que sejam na verdade aleatórias é de 3 em 10.000,” disse, o que significa que há 99,97% de hipótese de estarem certos. Ele realçou que uma simulação Monte Carlo indicou que a chance de estarem a observar um padrão que não existe é provavelmente inferior a 1 em mil milhões.
A observação recente de cinco explosões dentro da sua janela temporal prevista, vista pela Wind e por outras sondas que monitorizam explosões de raios-gama, aumenta a sua confiança. No entanto, uma única explosão futura, observada fora da janela de tempo, refutaria toda a teoria ou faria com que refizessem completamente a sua análise.
“A parte mais intrigante e divertida, para mim, foi fazer previsões que podiam ser testadas no céu. Em seguida, corremos simulações contra padrões reais e aleatórios e descobrimos que realmente nos diziam mais sobre as explosões,” disse Denissenya.
Quanto ao que causa este padrão, Grossan e Linder apenas podem adivinhar. Pensa-se que os SGRs de magnetares envolvam sismos estelares, talvez desencadeados por interações entre a crosta da estrela de neutrões e o seu intenso campo magnético. Os magnetares giram uma vez a cada poucos segundos e, se a rotação for acompanhada por uma precessão – uma oscilação na rotação – isso pode fazer com que a fonte de emissão da explosão aponte para a Terra apenas dentro de uma determinada janela de tempo. Outra possibilidade, disse Grossan, é que uma nuvem densa e giratória de material obscurante pode rodear o magnetar, mas tem uma espécie de orifício que só permite que as rajadas saiam e atinjam a Terra periodicamente.
“No ponto atual do nosso conhecimento sobre estas fontes, não podemos dizer realmente qual é,” salientou Grossan. “Este é um fenómeno rico que provavelmente será estudado por muito tempo.”
Linder concorda e realça que os avanços foram feitos graças à polinização cruzada entre técnicas de observações astrofísicas de alta energia e cosmologia teórica.
“Vamos continuar a observar, a aprender e até mesmo a ‘ouvir mais cães à noite’.”
// UC Berkeley (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Physical Review D)
// Artigo científico (arXiv.org)
Saiba mais:
Magnetar:
Wikipedia
AstronomyOnline.org
Estrelas de neutrões:
Wikipedia
Universidade de Maryland
FRB (“Fast Radio Burst”):
Wikipedia
Catálogo de FRBs (Universidade Swinburne)
SGR (“Soft Gamma Repeater”):
Wikipedia