Integral avista explosões gigantes que alimentam jatos de uma estrela de neutrões

Esta impressão de artista mostra como as explosões nucleares numa estrela de neutrões alimentam os jatos libertados das suas regiões polares magnéticas. Quando em órbita com outra estrela, o intenso campo gravitacional da estrela de neutrões pode “sugar” material da companheira próxima. O material rodopia em direção ao objeto em colapso, rodeando-o, formando um disco e, por fim, mergulhando na superfície. A gravidade que se abate sobre a superfície da estrela de neutrões comprime violentamente o material acumulado (constituído principalmente por hidrogénio), provocando uma explosão nuclear descontrolada. Isto, por sua vez, faz com que os jatos se intensifiquem subitamente e ejetem partículas para o espaço a uma velocidade muito elevada.
Uma estrela de neutrões que esteja a engolir material de uma companheira próxima é uma poderosa fonte celeste de raios X e de ondas de rádio. Os cientistas utilizaram instrumentos a bordo do satélite Integral da ESA e dos radiotelescópios ATCA (Australia Telescope Compact Array) da CSIRO para monitorizar um destes sistemas intrigantes durante muitas horas.
Pela primeira vez, observaram uma ligação clara entre as erupções de raios X e os picos no sinal de rádio. Revelaram como a explosão desencadeia um aumento do fluxo de material no jato que é lançado para o espaço a um-terço da velocidade da luz. Este resultado abre uma nova janela para investigar como os jatos se formam nas estrelas de neutrões e noutros objetos celestes, e para estabelecer se existe uma ligação direta entre a velocidade de rotação de um objeto e a potência e velocidade dos seus jatos.
Crédito: Danielle Futselaar e Nathalie Degenaar, Instituto Anton Pannekoek, Universidade de Amesterdão

O telescópio espacial de raios gama da ESA, Integral, desempenhou um papel decisivo na observação de jatos de matéria expelidos para o espaço a um-terço da velocidade da luz. A matéria e a energia foram libertadas quando ocorreram enormes explosões na superfície de uma estrela de neutrões. Esta observação inédita provou ser “uma experiência perfeita” para explorar jatos astrofísicos de todos os tipos.

Os jatos são produzidos por muitos objetos astronómicos diferentes, mas o seu estudo é difícil. Estes fluxos de matéria são distantes e é um desafio ver as suas características. Isto torna extremamente difícil o rastreio da matéria em movimento para assim compreender como o jato está a ser lançado e acelerado.

No entanto, uma equipa internacional de astrónomos, incluindo Thomas Russell, do INAF (Istituto Nazionale di Astrofisica), Palermo, Itália, apercebeu-se de que certos tipos de estrelas de neutrões poderiam abrir uma nova via de investigação.

As estrelas de neutrões são “cadáveres” estelares supercompactos. Quando em órbita com outra estrela, o intenso campo gravitacional da estrela de neutrões pode acabar por puxar matéria da sua estrela companheira. Parte desta matéria acumulada é então expelida em jatos que se afastam ao longo do eixo de rotação da estrela de neutrões, e o resto da matéria espirala para a estrela de neutrões. Aí, acumula-se como uma camada à superfície. À medida que mais e mais material “chove” sobre a estrela de neutrões, o campo gravitacional comprime-o até se iniciar uma explosão nuclear descontrolada. Isto cria um evento cataclísmico conhecido como erupção de raios X de tipo I.

A equipa pensou que esta súbita libertação de matéria e energia, da superfície da estrela de neutrões, afetaria o jato e que poderiam medir esta perturbação à medida que se propagava para longe. Se assim fosse, isso proporcionaria um novo e poderoso método para estudar estes eventos violentos e energéticos. Atualmente, conhecemos cerca de 125 estrelas de neutrões que se comportam desta forma.

“Isto dá-nos basicamente uma experiência perfeita”, diz Thomas. “Temos um impulso muito breve e de curta duração de material extra que é disparado para o jato e que podemos seguir à medida que se desloca no jato para conhecer a sua velocidade”.

À caça

Trata-se de uma medição crucial porque, uma vez estudado um número suficiente de estrelas de neutrões em acreção, a velocidade do jato pode revelar o mecanismo de lançamento dominante e mostrar se o jato é alimentado por campos magnéticos ancorados no material acretado ou na própria estrela. A equipa identificou duas estrelas de neutrões, denominadas 4U 1728-34 e 4U 1636-536, respetivamente, que mostraram um comportamento explosivo em raios-X. No entanto, na altura, apenas 4U 1728-34 era suficientemente brilhante, no rádio, para realizar a experiência com o detalhe necessário.

Depois houve um problema prático. Ao passo que as explosões eram visíveis em raios X, o jato só emitia ondas de rádio. Assim, a equipa precisava de coordenar as observações radiotelescópicas na Terra para que ocorressem em simultâneo com as do satélite Integral, que é capaz de ver em raios X. Mas era impossível prever exatamente quando é que uma destas explosões ia acontecer.

Impressão de artista de uma estrela de neutrões. As linhas que ligam um polo ao outro representam o intenso campo magnético. As linhas que se prolongam para longe a partir dos polos representam os jatos que periodicamente são lançados para o espaço.
Crédito: ESA

“Estas erupções repetem-se de duas em duas horas, mas não se pode prever exatamente quando vão acontecer. Por isso, temos de olhar para o sistema durante muito tempo com os telescópios e esperar apanhar um par de explosões”, diz Jakob van den Eijnden, membro da equipa, da Universidade de Warwick, Reino Unido.

As observações rádio foram efetuadas durante três dias com o ATCA (Australia Telescope Compact Array) da CSIRO (Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation), registando um total de cerca de 30 horas de tempo de observação entre os dias 3 e 5 de abril de 2021. O Integral observou a partir do espaço. Foi a única missão de alta energia capaz de manter esta longa vigília. A sua órbita grande e alongada permitia-lhe observar o objeto celeste durante muitas horas seguidas. No final das observações, o Integral tinha captado 14 explosões de raios X de 4U 1728-34, das quais 10 ocorreram quando a fonte era visível para o ATCA.

Mas houve uma grande surpresa. “Com base no que tínhamos visto anteriormente nos dados de raios X, pensávamos que a explosão iria destruir o local onde o jato estava a ser lançado. Mas vimos exatamente o contrário: uma forte entrada no jato em vez de uma perturbação”, diz Nathalie Degenaar, membro da equipa, da Universidade de Amesterdão, Países Baixos.

Claramente, o mecanismo do jato era mais robusto do que se pensava. A capacidade de seguir a matéria extra injetada ao longo do jato, a comprimentos de onda do rádio, permitiu à equipa calcular que o material estava a ser lançado a uns incríveis 35-40% da velocidade da luz.

“Nunca antes tínhamos sido capazes de antecipar e observar diretamente como uma certa quantidade de gás era canalizada para um jato e acelerado para o espaço”, diz Erik Kuulkers, membro da equipa e cientista da ESA.

Um novo método para estudar jatos

Tendo agora provado que isto é possível, a técnica permitirá aos astrónomos estudar muitas mais estrelas de neutrões com erupções de raios X. Isto ajudá-los-á a compreender e a relacionar o lançamento de jatos com características específicas, tais como a rotação e a quantidade de gás que cai na sua superfície. Para quem estuda estes fenómenos, estas são as questões mais prementes. A sua resposta terá impacto nos estudos que vão para além das estrelas de neutrões, porque os jatos são criados por muitos objetos astronómicos.

Desde estrelas recém-formadas a buracos negros supermassivos no centro das galáxias, os jatos podem também ser produzidos por eventos cataclísmicos como explosões de supernovas e explosões de raios gama. Desempenham um papel importante em todo o Universo, desde o transporte de elementos exóticos sintetizados em explosões cósmicas para o espaço interestelar, até ao aquecimento de nuvens de gás circundantes que alteram a forma e o local de formação de novas estrelas.

Uma vez que se pensa que todos os jatos astrofísicos são lançados de forma semelhante, nomeadamente pela interação da matéria com campos magnéticos em objetos celestes em rotação, os novos resultados terão grande aplicabilidade em muitos estudos do cosmos. “Este resultado abre uma janela completamente nova para a compreensão da forma como os jatos astrofísicos são alimentados, em estrelas de neutrões e também noutros objetos astronómicos produtores de jatos”, diz Erik.

// ESA (comunicado de imprensa)
// Universidade de Warwick (comunicado de imprensa)
// Universidade de Lethbridge (comunicado de imprensa)
// ICRAR (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Nature)
// Artigo científico (arXiv.org)

Saiba mais:

Estrela de neutrões:
Wikipedia
Universidade de Maryland

Jato astrofísico:
Wikipedia

Erupções de raios X:
Wikipedia

INTEGRAL (INTErnational Gamma-Ray Astrophysics Laboratory):
ESA
Wikipedia

ATCA (Australia Telescope Compact Array):
Página principal
Wikipedia

Sobre Miguel Montes

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