A primeira pesquisa por planetas em formação com o Telescópio Webb

Impressão artística que mostra a formação de um planeta gigante gasoso no disco de poeira que rodeia uma jovem estrela. Este protoplaneta está rodeado por uma espessa nuvem de material.
Crédito: ESO/L. Calçada

Os planetas são formados em discos de gás e poeira, a que chamamos discos protoplanetários, que giram em torno de uma protoestrela central.

Apesar de terem sido obtidas imagens de várias dúzias desses discos, até agora apenas dois planetas foram apanhados no acto de formação. Agora, os astrónomos estão a apontar os poderosos instrumentos a bordo do Telescópio Espacial James Webb para os discos protoplanetários a fim de tentar encontrar as primeiras pistas sobre o modo como os planetas se formam e como estes planetas influenciam o seu disco natal.

Três estudos liderados pela Universidade de Michigan, pela Universidade do Arizona e pela Universidade de Vitória combinaram as imagens do JWST com observações anteriores efetuadas pelo Telescópio Espacial Hubble e pelo ALMA (Atacama Large Millimeter Array) no Chile. Com base nas observações complementares, a equipa usou o Webb para observar os discos protoplanetários de HL Tau, SAO 206462 e MWC 758 na esperança de detetar quaisquer planetas que possam estar a ser formados.

Nos trabalhos, publicados na revista The Astronomical Journal, os investigadores reuniram interações nunca antes vistas entre o disco de formação planetária e o invólucro de gás e poeira que rodeia as jovens estrelas no centro dos discos protoplanetários.

“Apanhando” um planeta

O estudo da Universidade de Michigan, liderado pelo astrónomo Gabriele Cugno, apontou o JWST para um disco que rodeava uma protoestrela chamada SAO 206462. Aí, os investigadores encontraram, potencialmente, um candidato a planeta no acto de formação num disco protoplanetário – mas não era o planeta que esperavam encontrar.

“Várias simulações sugerem que o planeta deveria estar dentro do disco massivo, grande, quente e brilhante. Mas não o encontrámos. Isto significa que ou o planeta é muito mais frio do que pensamos, ou pode estar obscurecido por algum material que nos impede de o ver”, disse Cugno, também coautor de todos os três artigos científicos. “O que encontrámos é um diferente candidato a planeta, mas não podemos dizer com 100% de certeza se é um planeta, ou uma estrela de fundo ténue, ou uma galáxia a contaminar a nossa imagem. Observações futuras vão ajudar-nos a perceber exatamente o que estamos a ver.”

Dois braços espirais emergem do disco rico em gás em torno de SAO 206462, uma estrela jovem na constelação de Lobo. Esta imagem, obtida pelo Telescópio Subaru e pelo seu instrumento HiCIAO, é a primeira a mostrar braços espirais num disco circunstelar. A imagem traça a luz emitida pela estrela e dispersa na superfície do disco.
Crédito: NAOJ/Subaru

Os astrónomos já observaram este disco no passado, nomeadamente com o Telescópio Espacial Hubble, com o Telescópio Subaru, com o VLT (Very Large Telescope) e com o ALMA. Estas observações mostram um disco composto por duas espirais fortes, que são provavelmente lançadas por um planeta em formação. O planeta que a equipa da Universidade de Michigan esperava encontrar é de um tipo chamado gigante gasoso, planetas compostos principalmente por hidrogénio e hélio, semelhantes a Júpiter no nosso Sistema Solar.

“O problema é que o que quer que estejamos a tentar detetar é centenas de milhares, se não milhões de vezes mais ténue do que a estrela”, disse Cugno. “É como tentar detetar uma pequena lâmpada junto a um farol”.

Para observar o disco mais de perto, a equipa usou o instrumento NIRCam do JWST. O NIRCam deteta luz infravermelha e os astrónomos utilizaram o instrumento empregando uma técnica chamada imagem angular diferencial. Esta técnica pode ser usada para detetar tanto a radiação térmica do planeta, como a equipa fez para detetar o candidato a planeta, como linhas de emissão específicas associadas ao material que cai sobre o planeta e atinge a sua superfície a alta velocidade.

“Quando o material cai para o planeta, choca com a superfície e emite uma linha em comprimentos de onda específicos”, disse Cugno. “Usamos um conjunto de filtros de banda estreita para tentar detetar esta acreção. Isto já tinha sido feito antes a partir do solo em comprimentos de onda óticos, mas esta é a primeira vez que é feito no infravermelho com o JWST”.

Observando a “matéria-prima” dos planetas

O estudo da Universidade de Vitória, liderado pela estudante de astronomia Camryn Mullin, descreve imagens do disco que rodeia a jovem estrela HL Tau.

“HL Tau é o sistema mais jovem do nosso levantamento e ainda está rodeado por um fluxo denso de poeira e gás que cai para o disco”, disse Mullin, coautora dos três estudos. “Ficámos espantados com o nível de detalhe com que conseguimos ver este material circundante com o JWST, mas infelizmente, obscurece quaisquer sinais de potenciais planetas”.

O disco de HL Tau é conhecido por ter vários anéis e divisões, à escala do Sistema Solar, que podem albergar planetas.

“Apesar de existirem muitas evidências de formação planetária, HL Tau é demasiado jovem e tem demasiada poeira interveniente para se poderem ver os planetas diretamente”, disse Jarron Leisenring, investigador principal da campanha de observação em busca de planetas em formação e astrónomo do Observatório Steward da Universidade do Arizona. “Já começámos a olhar para outros sistemas jovens com planetas conhecidos para ajudar a formar uma imagem mais completa.”

Sobrepostas ao disco protoplanetário em torno de HL Tau, com as suas divisões e anéis, estão características (vistas a laranja) detetadas pelo Telescópio Espacial James Webb. Revelam material no invólucro à volta da estrela, algum do qual está a cair no disco, bem como uma abertura formada por material que flui para fora do sistema.
Crédito: Camryn Mullin et al.

No entanto, para surpresa da equipa, o JWST revelou detalhes inesperados de uma característica diferente: de acordo com Leisenring, o invólucro protoestelar, que é essencialmente um fluxo denso de poeira e gás em torno da jovem estrela que está apenas a começar a coalescer. Sob a influência da gravidade, o material do meio interestelar cai na direção da estrela e do disco, onde serve de matéria-prima para os planetas e para os seus precursores.

O estudo da Universidade do Arizona, liderado por Kevin Wagner, bolseiro Hubble/Sagan da NASA no Observatório Steward, examinou o disco protoplanetário de MWC 758. À semelhança de SAO 206462, observações anteriores da equipa liderada pela mesma instituição de ensino revelaram a formação de braços espirais no disco, sugerindo a existência de um planeta massivo em órbita da sua estrela hospedeira.

Embora não tenham sido detetados novos planetas no disco durante as observações mais recentes, a sensibilidade é revolucionária, dizem os investigadores, pois permite-lhes colocar as restrições mais rigorosas até agora sobre os planetas suspeitos. Por um lado, os resultados excluem a existência de planetas adicionais nas regiões exteriores de MWC 758, o que é consistente com a existência de um único planeta gigante a impulsionar os braços espirais.

“A ausência de planetas detetados nos três sistemas diz-nos que os planetas que produzem as lacunas e os braços espirais ou estão demasiado perto das suas estrelas hospedeiras ou são demasiado ténues para serem vistos com o JWST,” disse Wagner, coautor dos três estudos. “Se esta última hipótese for a verdadeira, diz-nos que têm uma massa relativamente baixa, uma temperatura baixa, estão envoltos em poeira, ou alguma combinação das três – como é provavelmente o caso de MWC 758.”

E assim continua a procura por planetas em formação

Observar planetas em formação é importante porque os astrónomos podem obter informações não só sobre o processo, mas também sobre a forma como os elementos químicos se distribuem por um sistema planetário.

“Apenas cerca de 15% das estrelas como o Sol têm planetas como Júpiter. É muito importante compreender como se formam, evoluem e para aperfeiçoar as nossas teorias”, disse Michael Meyer, astrónomo da Universidade de Michigan e coautor dos três estudos. “Alguns astrónomos pensam que estes gigantes gasosos regulam o fornecimento de água aos planetas rochosos que se formam nas partes interiores dos discos”.

Saber como estes discos são moldados por gigantes gasosos ajudará os astrónomos a compreender as propriedades e a evolução dos discos protoplanetários que mais tarde darão origem a planetas rochosos semelhantes à Terra, disse Meyer.

“Basicamente, em todos os discos que observámos com resolução e sensibilidade suficientemente elevadas, vimos grandes estruturas como divisões, anéis e, no caso de SAO 206462, espirais”, disse Cugno. “A maioria, se não todas, estas estruturas podem ser explicadas pela formação de planetas que interagem com o material do disco, mas existem outras explicações que não envolvem a presença de planetas gigantes.

“Se conseguirmos finalmente ver estes planetas, podemos ligar algumas das estruturas com companheiros em formação e relacionar os processos de formação com as propriedades de outros sistemas em fases muito posteriores. Podemos finalmente ‘ligar os pontos’ e compreender como os planetas e os sistemas planetários evoluem como um todo”.

// Universidade de Michigan (comunicado de imprensa)
// Universidade do Arizona (comunicado de imprensa)
// Artigo científico sobre MWC 758 (The Astronomical Journal)
// Artigo científico sobre MWC 758 (arXiv.org)
// Artigo científico sobre SAO 206462 (The Astronomical Journal)
// Artigo científico sobre SAO 206462 (arXiv.org)
// Artigo científico sobre HL Tau (The Astronomical Journal)
// Artigo científico sobre HL Tau (arXiv.org)

Saiba mais:

HL Tau:
Wikipedia
Catálogo de Discos Circunstelares

SAO 206462:
Wikipedia
Catálogo de Discos Circunstelares

MWC 758:
Wikipedia
Catálogo de Discos Circunstelares

Discos protoplanetários:
Wikipedia
Formação planetária (Wikipedia)

JWST (Telescópio Espacial James Webb):
NASA
STScI
STScI (website para o público)
ESA
ESA/Webb
Wikipedia
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Blog do JWST (NASA)
Programas DD-ERS do Webb (STScI)
Ciclo 2 GO do Webb (STScI)
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NIRCam (NASA)
MIRI (NASA)
NIRSpec (NASA)

Telescópio Espacial Hubble:
Hubble, NASA 
ESA
Hubblesite
STScI
SpaceTelescope.org
Base de dados do Arquivo Mikulski para Telescópios Espaciais
Arquivo de Ciências do eHST

ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array):
Página principal
ALMA (NRAO)
ALMA (ESO)
Wikipedia

Telescópio Subaru:
NAOJ
Wikipedia

VLT (Very Large Telescope):
ESO
Wikipedia

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