Relâmpagos em Vénus? Um estudo sugere que talvez não

Vénus poderá ser um lugar (ligeiramente) mais gentil do que alguns cientistas pensam.

Numa nova investigação, físicos espaciais da Universidade do Colorado em Boulder, EUA, entraram num debate surpreendentemente longo na ciência do Sistema Solar: Será que existem relâmpagos no segundo planeta a contar do Sol?

Os resultados da equipa acrescentam novas e fortes evidências que sugerem que, não, provavelmente não se veriam relâmpagos nas nuvens espessas e ácidas de Vénus – ou, pelo menos, não com muita frequência.

O planeta Vénus.
Crédito: NASA/JPL-Caltech

“Há cerca de 40 anos que se discute a existência de relâmpagos em Vénus”, disse Harriet George, autora principal do novo estudo e investigadora de pós-doutoramento no LASP (Laboratory for Atmospheric and Space Physics). “Esperamos que, com os nossos novos dados disponíveis, possamos ajudar a reconciliar esse debate”.

Ela e a sua equipa publicaram as suas conclusões no dia 29 de setembro na revista Geophysical Research Letters.

A investigação mergulha profundamente num dos corpos mais misteriosos e inóspitos do Sistema Solar. Vénus tem aproximadamente o mesmo tamanho que a Terra, mas a sua atmosfera densa e rica em dióxido de carbono levou a um efeito de estufa descontrolado. Qualquer pessoa que estivesse no solo enfrentaria temperaturas abrasadoras de 480º C e pressões atmosféricas esmagadoras. Nunca nenhuma nave espacial sobreviveu mais do que algumas horas à superfície do planeta.

Para explorar este mundo extremo, os investigadores recorreram a uma ferramenta científica que não foi de todo concebida para estudar Vénus: A Parker Solar Probe da NASA, que foi lançada em 2018 como parte de uma missão de sete anos para investigar a física da coroa solar, ou atmosfera mais externa, e o vento solar. A Parker Solar Probe foi concebida, construída e é atualmente operada pelo JHUAPL (Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory), que lidera a missão para a NASA.

Em fevereiro de 2021, a sonda espacial passou à volta de Vénus a uma distância de cerca de 2400 quilómetros. No processo, os seus instrumentos captaram dúzias daquilo a que os cientistas chamam “ondas whistler” – pulsos de energia que, pelo menos na Terra, podem ser desencadeados por relâmpagos. Os dados da equipa mostraram que as ondas whistler de Vénus podem não ter origem nos relâmpagos, mas sim em perturbações nos fracos campos magnéticos que envolvem o planeta.

Os resultados concordam com um estudo de 2021 que não conseguiu detetar ondas de rádio geradas por relâmpagos provenientes de Vénus. A investigação foi liderada por Marc Pulupa, da Universidade da Califórnia, em Berkeley.

David Malaspina, coautor do novo estudo, disse que os resultados mostram o pouco que os humanos sabem sobre um dos nossos vizinhos mais próximos.

“É muito raro que novos instrumentos científicos cheguem a Vénus”, disse Malaspina, professor assistente do LASP e do Departamento de Ciências Astrofísicas e Planetárias da mesma universidade. “Não temos muitas oportunidades de fazer este tipo de investigação interessante”.

Noites escuras e tempestuosas

Grande parte do debate em torno de Vénus e dos relâmpagos remonta a 1978, quando uma nave espacial da NASA chamada Pioneer Venus entrou em órbita do gémeo mais quente e mais furioso da Terra. Quase imediatamente, a nave espacial começou a captar os sinais de ondas whistler a centenas de quilómetros acima da superfície do planeta.

Para muitos cientistas, estes sinais faziam lembrar um fenómeno familiar da Terra: os relâmpagos.

George explicou que, na Terra, as ondas whistler são frequentemente – mas nem sempre – criadas por relâmpagos. Os relâmpagos, disse ela, podem agitar eletrões na atmosfera do planeta, que depois lançam ondas que espiralam para o espaço. Estas ondas criam tons de assobio que os primeiros operadores de rádio na Terra podiam ouvir usando auscultadores, daí o nome “whistler”.

Se as ondas whistler de Vénus tiverem uma origem semelhante, então o planeta poderá ser um monstro de relâmpagos, com cerca de sete vezes mais relâmpagos do que a Terra. Os cientistas também detetaram relâmpagos em Saturno e Júpiter.

“Alguns cientistas viram essas assinaturas e disseram: ‘Isso pode ser um relâmpago'”, disse George. “Outros disseram: ‘Na verdade, pode ser outra coisa’. Desde então, há décadas que se anda para trás e para a frente sobre o assunto”.

Impressão de artista da Parker Solar Probe a passar por Vénus.
Crédito: NASA/JHUAPL/Steven Gribben

Um encontro com Vénus

A Parker Solar Probe pode fornecer aos cientistas a oportunidade de resolver definitivamente o debate.

George disse que a nave espacial passará por Vénus sete vezes durante a sua missão, utilizando estes “flybys” para se aproximar cada vez mais do Sol. Em 2021, durante a sua quarta manobra do género, a sonda aproximou-se bastante do planeta – passando pela sombra projetada por trás de Vénus, um local privilegiado para procurar ondas whistler.

Para encontrar esses sinais, George, Malaspina e os seus colegas usaram a Experiência FIELDS da Parker Solar Probe, um conjunto de sensores de campo elétrico e magnético que saem da nave espacial como antenas (uma equipa da CU Boulder e do LASP concebeu e construiu o Digital Fields Board, que analisa os sinais dos sensores FIELDS).

No entanto, quando os investigadores analisaram um conjunto dessas ondas whistler, notaram algo surpreendente: as ondas whistler de Vénus estavam a ir na direção errada. Pareciam estar a mover-se para baixo, em direção ao planeta, e não para o espaço, como seria de esperar de uma tempestade de relâmpagos.

“Estavam a dirigir-se para trás, ao contrário do que toda a gente tinha imaginado nos últimos 40 anos”, disse Malaspina.

O que está a causar estas ondas whistler para trás não é claro. George e Malaspina suspeitam que possam surgir de um fenómeno chamado reconexão magnética – em que as linhas de campo magnético que rodeiam Vénus se separam e voltam a juntar-se com resultados explosivos.

Para já, os investigadores dizem que precisam de analisar mais ondas whistler para excluir completamente a causa dos relâmpagos. Terão a próxima oportunidade em novembro de 2024, quando a Parker Solar Probe fizer a sua última passagem por Vénus, descendo a menos de 400 quilómetros acima da superfície – roçando o topo da atmosfera “pastosa” do planeta, disse Malaspina.

“A Parker Solar Probe é uma nave espacial muito capaz. Para onde quer que vá, encontra algo novo”.

// Universidade do Colorado em Boulder (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Geophysical Research Letters)

Saiba mais:

Notícias relacionadas:
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ZAP.aeiou

Ondas whistler:
Wikipedia

Vénus:
NASA
Wikipedia

Parker Solar Probe:
NASA
JHUAPL
Wikipedia

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