“Bilhar” de buracos negros nos centros de galáxias

Investigadores forneceram a primeira explicação plausível para o facto de um dos pares de buracos negros mais massivos observados até à data através de ondas gravitacionais também parecer fundir-se numa órbita não circular. A sua solução sugerida, agora publicada na revista Nature, envolve um drama caótico triplo dentro de um disco gigante de gás em torno de um buraco negro supermassivo numa galáxia muito, muito distante.

Os buracos negros são dos objetos mais fascinantes do Universo, mas o nosso conhecimento sobre eles ainda é limitado – especialmente porque não emitem qualquer luz. Até alguns anos atrás, a luz era a nossa principal fonte de conhecimento sobre o nosso Universo e os seus buracos negros, até que o LIGO (Laser Interferometer Gravitational Wave Observatory), em 2015, fez a sua observação revolucionária de ondas gravitacionais oriundas da fusão de dois buracos negros.

Ilustração de um enxame de buracos negros pequenos num disco de gás que gira em torno de um buraco negro gigante . As interações entre três buracos negros, tais como os mostrados em primeiro plano, ocorrem com relativa frequência e irão, com elevada probabilidade, resultar numa fusão numa órbita não circular.
Crédito: J. Samsing/Instituto Niels Bohr

“Mas como e onde no nosso Universo se formam e se fundem tais buracos negros? Será que ocorre quando estrelas próximas colapsam e ambas se transformam em buracos negros, é através de encontros fortuitos em enxames de estrelas, ou é algo mais? Estas são algumas das questões-chave na nova era da Astrofísica das Ondas Gravitacionais,” diz o professor assistente John Samsing do Instituto Niels Bohr da Universidade de Copenhaga, autor principal do artigo científico.

Ele e os seus colaboradores podem agora ter fornecido uma nova peça ao puzzle, que possivelmente resolve a última parte de um mistério com o qual os astrofísicos têm lutado ao longo dos últimos anos.

Descoberta Inesperada em 2019

O mistério remonta a 2019, quando uma descoberta inesperada de ondas gravitacionais foi feita pelos observatórios LIGO e Virgo. O evento chamado GW190521 é entendido como a fusão de dois buracos negros, que não só eram mais massivos do que anteriormente se pensava ser fisicamente possível, mas que, além disso, tinham produzido um flash de luz.

Desde então, foram dadas possíveis explicações para estas duas características, mas as ondas gravitacionais também revelaram uma terceira característica surpreendente deste evento – nomeadamente que os buracos negros não se orbitaram um ao outro num círculo nos momentos antes da fusão.

“O evento de ondas gravitacionais GW190521 é a descoberta mais surpreendente até à data. As massas e rotações dos buracos negros já eram surpreendentes, mas ainda mais surpreendente foi o facto de parecerem não ter uma órbita circular nos momentos antes da fusão,” diz o coautor Imre Bartos, professor na Universidade da Flórida.

Mas porque é que uma órbita não circular é tão invulgar e inesperada?

“Isto deve-se à natureza fundamental das ondas gravitacionais emitidas, que não só aproxima o par de buracos negros um do outro para que finalmente se fundam, como também atua para tornar a sua órbita circular,” explica o coautor Zoltan Haiman, professor na Universidade de Columbia.

Esta observação fez com que muitas pessoas em todo o mundo, incluindo Johan Samsing em Copenhaga, questionassem: “Fez-me começar a pensar em como tais fusões não circulares (conhecidas como “excêntricas”) podem acontecer com a probabilidade surpreendentemente elevada que a observação sugere,” diz Johan Samsing.

São Precisos Três Para Dançar o Tango

Uma possível resposta seria encontrada no ambiente hostil nos centros das galáxias que abrigam um buraco negro gigante com milhões de vezes a massa do Sol, rodeado por um disco de gás plano e giratório.

“Nestes ambientes, a velocidade e densidade típicas dos buracos negros são tão elevadas que os buracos negros mais pequenos ‘saltitam’ como num jogo gigante de bilhar e grandes binários circulares não podem existir,” aponta o coautor professor Bence Kocsis da Universidade de Oxford.

Mas, como o grupo ainda argumentou, um buraco negro não é suficiente: “Novos estudos mostram que o disco de gás desempenha um papel importante na captura de buracos negros mais pequenos, que com o tempo se aproximam mais do centro e também mais uns dos outros. Isto implica não só que se encontram e formam pares, mas também que tal par pode interagir com outro terceiro buraco negro, levando frequentemente a um tango caótico com três buracos negros em jogo,” explica o astrofísico Hiromichi Tagawa da Universidade de Tohoku, coautor do estudo.

No entanto, todos os estudos anteriores à observação de GW190521 indicaram que a formação de fusões excêntricas de buracos negros é relativamente rara. Isto suscita naturalmente a questão: porque é que a já invulgar fonte de ondas gravitacionais GW190521 também se fundiu numa órbita excêntrica?

Bilhar de Buracos Negros a Duas Dimensões

Tudo o que tinha sido calculado até então era baseado na noção de que as interações de buracos negros estão a ocorrer em três dimensões, como se esperava na maioria dos sistemas estelares considerados até agora.

“Mas depois começámos a pensar no que aconteceria se as interações de buracos negros tivessem lugar num disco plano, que está mais próximo de um ambiente bidimensional. Surpreendentemente, descobrimos neste limite que a probabilidade de formar uma fusão excêntrica aumenta até 100 vezes, o que leva a que cerca de metade de todas as fusões de buracos negros em tais discos sejam possivelmente excêntricas,” diz Johan Samsing e continua:

“E essa descoberta encaixa incrivelmente bem com a observação de 2019 que, em suma, aponta agora na direção de que as propriedades de outro modo espetaculares desta fonte não são de novo tão estranhas, se tiver sido criada num disco achatado de gás em torno de um buraco negro supermassivo num núcleo galáctico.”

Esta possível solução também contribui para um problema centenário na mecânica: “A interação entre 3 objetos é um dos problemas mais antigos da física, que tanto Newton, eu próprio, como outros, estudámos intensamente. Que isto parece agora desempenhar um papel crucial na forma como os buracos negros se fundem em alguns dos lugares mais extremos do nosso Universo é incrivelmente fascinante,” diz o coautor Nathan W. Leigh, professor na Universidade de Concepción, Chile.

Buracos Negros em Discos Gasosos

A teoria do disco de gás também se enquadra nas explicações de outros investigadores sobre as outras duas propriedades intrigantes de GW190521. As grandes massas do buraco negro foram atingidas por fusões sucessivas no interior do disco, enquanto a emissão de luz poderia ter origem no gás ambiente.

“Mostrámos agora que pode haver uma enorme diferença nos sinais emitidos pelos buracos negros que se fundem em discos planos bidimensionais, vs. aqueles que muitas vezes consideramos em sistemas estelares tridimensionais, o que nos diz que temos agora uma ferramenta extra que podemos utilizar para aprender como os buracos negros são criados e se fundem no nosso Universo,” diz Johan Samsing.

Mas este estudo é apenas o começo: “As pessoas têm vindo a trabalhar na compreensão da estrutura destes discos de gás há muitos anos, mas o problema é difícil. Os nossos resultados são sensíveis à forma como o disco é plano, e a como os buracos negros se movem dentro dele. O tempo dirá se vamos aprender mais sobre estes discos, assim que tivermos uma maior população de fusões de buracos negros, incluindo casos mais invulgares semelhantes a GW190521. Para que isto seja possível, temos de partir da nossa agora publicada descoberta e ver onde nos leva neste novo e excitante campo,” conclui o coautor Zoltam Haiman.

// Universidade de Copenhaga (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Nature)

Saiba mais:

Notícias relacionadas:
EurekAlert!SPACE.com
ScienceDaily
PHYSORG

GW190521:
LIGO
Folheto PDF do LIGO
Wikipedia

Ondas gravitacionais:
GraceDB (Gravitational Wave Candidate Event Database)
Wikipedia
Astronomia de ondas gravitacionais – Wikipedia
Ondas gravitacionais: como distorcem o espaço – Universe Today
Detetores: como funcionam – Universe Today
As fontes de ondas gravitacionais – Universe Today
O que é uma onda gravitacional (YouTube)

Buracos negros:
Wikipedia

LIGO:
Página oficial
Caltech
Advanced LIGO
Wikipedia

Virgo:
EGO
Wikipedia

Sobre Miguel Montes

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