“Cozinhando” atmosferas alienígenas na Terra

Esta impressão de artista mostra o planeta KELT-9b, um exemplo de um “Júpiter quente” ou gigante gasoso orbitando muito perto da sua estrela-mãe. KELT-9b é um exemplo extremo de um Júpiter quente, com temperaturas diurnas que atingem 4300º C. Crédito. NASA/JPL-Caltech

Investigadores do JPL da NASA em Pasadena, Califórnia, EUA, estão a preparar uma atmosfera alienígena aqui na Terra. Num novo estudo, os cientistas usaram um “forno” de alta temperatura para aquecer uma mistura de hidrogénio e monóxido de carbono a mais de 1100º C, mais ou menos a temperatura da lava. O objetivo era simular condições que poderiam ser encontradas nas atmosferas de uma classe especial de exoplanetas (planetas fora do nosso Sistema Solar) chamados “Júpiteres quentes”.

Os Júpiteres quentes são gigantes gasosos que orbitam muito perto da sua estrela-mãe, ao contrário de quaisquer planetas no nosso Sistema Solar. Enquanto a Terra demora 365 dias a orbitar o Sol, os Júpiteres quentes orbitam as suas estrelas em menos de 10 dias. A sua proximidade com uma estrela significa que as suas temperaturas podem ir de 530 a 2800º C, às vezes até mais. Em comparação, um dia quente na superfície de Mercúrio (que leva 88 dias para completar uma volta em torno do Sol) atinge cerca de 430º C.

“Embora seja impossível simular exatamente em laboratório estes ambientes exoplanetários extremos, podemos chegar muito perto,” disse Murthy Gudipati, cientista do JPL que lidera o grupo que realizou o novo estudo, publicado o mês passado na revista The Astrophysical Journal.

Os cientistas do JPL usaram o “forno” (centro) para aquecer uma mistura de hidrogénio e monóxido de carbono e sujeitaram-na a radiação UV, gerada por um lâmpada de descarga de hidrogénio gasoso. A lâmpada irradia tanto luz visível (o brilho rosa) como raios UV, que entra no recipiente de gás dentro do forno através de uma janela no lado direito.
Crédito: NASA/JPL-Caltech

A equipa começou com uma mistura química simples de principalmente hidrogénio gasoso e 0,3% do gás monóxido de carbono. Estas moléculas são extremamente comuns no Universo e nos jovens sistemas solares, e podem compor razoavelmente a atmosfera de um Júpiter quente. De seguida, a equipa aqueceu a mistura entre 330 e 1230º C.

A equipa também expôs a mistura laboratorial a uma alta dose de radiação ultravioleta – semelhante à que um Júpiter quente sofre quando orbita tão perto da sua estrela hospedeira. A luz UV provou ser um ingrediente potente. Foi em grande parte responsável por alguns dos resultados mais surpreendentes do estudo sobre a química que podia estar a ocorrer nessas atmosferas tostadas.

Os Júpiteres quentes são grandes para os padrões planetários e irradiam mais luz do que os planetas mais frios. Estes fatores permitiram com que os astrónomos recolhessem mais informações sobre as suas atmosferas do que a maioria dos outros tipos de exoplanetas. Essas observações revelam que as atmosferas de muitos Júpiteres quentes são opacas a grandes altitudes. Embora as nuvens possam explicar a opacidade, tornam-se cada vez menos sustentáveis à medida que a pressão diminui e a opacidade foi observada onde a pressão atmosfera é muito baixa.

Os cientistas têm procurado explicações potenciais além das nuvens, e os aerossóis – partículas sólidas suspensas na atmosfera – podem ser uma. No entanto, de acordo com investigadores do JPL, os cientistas não sabiam anteriormente como os aerossóis podiam desenvolver-se nas atmosferas dos Júpiteres quentes. Na nova experiência, a adição de luz UV à mistura química quente deu frutos.

O pequeno disco de safira à direita mostra aerossóis orgânicos formados dentro de um forno de alta temperatura. O disco à esquerda não foi usado.
Crédito: NASA/JPL-Caltech

“Este resultado muda a maneira como interpretamos essas atmosferas dos Júpiteres quentes,” disse Benjamin Fleury, cientista do JPL e autor principal do estudo. “No futuro, queremos estudar as propriedades desses aerossóis. Queremos entender melhor como se formam, como absorvem a luz e como reagem a mudanças no ambiente. Todas estas informações podem ajudar os astrónomos a entender o que estão a ver quando observam estes planetas.”

O estudo deu azo a outra surpresa: as reações químicas produziram quantidades significativas de dióxido de carbono e água. Embora já tenha sido encontrado vapor de água nas atmosferas de Júpiteres quentes, os cientistas em geral esperam que esta preciosa molécula se forme apenas quando há mais oxigénio do que carbono. O novo estudo mostra que a água pode formar-se quando o carbono e o oxigénio estão presentes em quantidades iguais (o monóxido de carbono contém um átomo de carbono e um átomo de oxigénio). E enquanto um pouco de dióxido de carbono (um átomo de carbono e dois átomos de oxigénio) se formou sem a adição de radiação UV, as reações aceleraram com a adição de luz estelar simulada.

“Estes novos resultados são imediatamente úteis para a interpretação do que vemos nas atmosferas dos Júpiteres quentes,” disse Mark Swain, cientista exoplanetário do JPL e coautor do estudo. “Nós assumimos que a temperatura domina a química nestas atmosferas, mas isto mostra que precisamos estudar como a radiação desempenha um papel.”

Com ferramentas de última geração como o Telescópio Espacial James Webb da NASA, com lançamento previsto para 2021, os cientistas poderão produzir os primeiros perfis químicos detalhados das atmosferas dos exoplanetas, e é possível que alguns desses primeiros alvos sejam Júpiteres quentes. Estes estudos vão ajudar os cientistas a aprender como outros sistemas solares se formam e quão semelhantes ou diferentes são do nosso.

Para os investigadores do JPL, o trabalho está apenas a começar. Ao contrário de um típico forno, o deles sela o gás com força a fim de evitar vazamentos ou contaminações, e permite que os cientistas controlem a pressão do gás à medida que a temperatura aumenta. Com este hardware, podem agora simular as atmosferas exoplanetárias a temperaturas ainda mais altas: perto dos 1600º C.

“Tem sido um desafio descobrir como construir e operar este sistema com sucesso, já que a maioria dos componentes padrão, como vidro ou alumínio, derretem a estas temperaturas,” disse Bryana Henderson, do JPL, coautora do estudo. “Ainda estamos a aprender como empurrar estes limites enquanto lidamos em segurança com estes processos químicos no laboratório. Mas, no final das contas, os resultados empolgantes que originam destas experiências valem todo o esforço extra.”

// NASA (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (The Astrophysical Journal)

Saiba mais:

Notícias relacionadas:
Live Science
PHYSORG

Júpiteres quentes:
Wikipedia

Exoplanetas:
Wikipedia
Lista de planetas (Wikipedia)
Lista de exoplanetas potencialmente habitáveis (Wikipedia)
Lista de extremos (Wikipedia)
Open Exoplanet Catalogue
PlanetQuest
Enciclopédia dos Planetas Extrasolares

JWST (Telescópio Espacial James Webb):
NASA
STScI
ESA
Wikipedia

Sobre Miguel Montes

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