Todos os planetas são feitos de gás, gelo, rocha e metal e os modelos de formação planetária partem normalmente do princípio que estes materiais não reagem quimicamente uns com os outros. Mas e se alguns deles reagirem? Os cientistas planetários da UCLA (University of California, Los Angeles) e da Universidade de Princeton colocaram essa questão e obtiveram uma resposta surpreendente: sob o intenso calor e pressão dos planetas recém-nascidos, a água e o gás reage um com o outro, criando misturas inesperadas nas atmosferas de planetas jovens de tamanhos entre o da Terra e de Neptuno e uma "chuva" no interior das atmosferas.
Estudos recentes mostram que o tipo mais comum de planetas na nossa Galáxia, os que têm dimensões entre a Terra e Neptuno, formam-se tipicamente com uma atmosfera de hidrogénio, resultando em condições onde o hidrogénio e o interior fundido do planeta interagem durante milhões ou milhares de milhões de anos. As interações entre a atmosfera e o interior são, portanto, cruciais para compreender a formação e evolução destes corpos e o que poderá estar por baixo destas atmosferas.
Mas as temperaturas e pressões envolvidas são tão extremas que as experiências laboratoriais para as estudar são praticamente impossíveis. Os investigadores aproveitaram os supercomputadores da UCLA e de Princeton para realizar simulações de dinâmica molecular de mecânica quântica para investigar a forma como o hidrogénio e a água - dois dos mais importantes constituintes planetários - interagem numa vasta gama de pressões e temperaturas em planetas do tamanho de Neptuno e mais pequenos. Os resultados foram publicados na revista The Astrophysical Journal Letters.
"Normalmente pensamos que a física e a química básicas já são conhecidas", disse o coautor do estudo, Lars Stixrude, professor de ciências da Terra, planetárias e espaciais da UCLA. "Sabemos quando as coisas vão derreter, quando se vão dissolver e quando vão congelar. Mas quando se trata do interior profundo dos planetas, simplesmente não sabemos. Não há nenhum manual onde possamos procurar estas coisas e temos de as prever".
Os investigadores criaram simulações de um sistema dividido em hidrogénio e água, com várias centenas de átomos cada um, e calcularam a forma como estes interagem entre si a nível quântico. Os átomos responderam de forma natural, tal como fariam numa experiência de laboratório nas mesmas condições.
Os planetas podem ser extremamente quentes quando nascem ou quando estão muito próximos das suas estrelas-mãe, e estas experiências computacionais mostraram que esses planetas teriam uma atmosfera composta por uma mistura homogénea de hidrogénio e água. Mas à medida que os planetas envelhecem, a sua temperatura diminui e o hidrogénio e a água começam a separar-se. A subsequente precipitação de água poderia não só gerar uma quantidade inesperada de calor nas profundezas destes mundos, mas também alterar a composição das atmosferas e a evolução destes planetas durante milhares de milhões de anos.
"Com o passar do tempo, à medida que o planeta arrefece, nas regiões exteriores da atmosfera, começam a formar-se nuvens à medida que a água se condensa", disse o primeiro autor Akash Gupta, que realizou a investigação como estudante de doutoramento na UCLA e que é agora bolseiro de pós-doutoramento na Universidade de Princeton. "Pouco tempo depois, a água e o hidrogénio começariam a separar-se nas profundezas da atmosfera - um acontecimento crucial, dado que a maioria das reservas de hidrogénio e água do planeta se encontram nestas profundidades. Isto levaria a uma 'chuva' nas profundezas da atmosfera do planeta, à medida que a água mais pesada se afunda enquanto o hidrogénio mais leve sobe, resultando num invólucro exterior rico em hidrogénio e um interior rico em água".
A descoberta pode também ajudar a resolver o mistério da razão pela qual Úrano emite muito menos calor do que Neptuno, apesar de estes planetas serem muito semelhantes em tamanho.
"A chuva de água pode ter ocorrido até agora em maior extensão em Neptuno do que em Úrano, gerando assim mais calor interno em Neptuno", disse Gupta. "Isto poderia explicar porque é que Úrano apresenta um fluxo de calor significativamente mais baixo do que Neptuno".
O trabalho tem implicações para planetas para lá do nosso Sistema Solar, como K2-18 b e TOI-270 d, que têm sido apontados como mundos potencialmente habitáveis com uma atmosfera de hidrogénio que cobre um oceano de água. No entanto, as temperaturas internas desses exoplanetas, se forem suficientemente elevadas, poderão situar-se inteiramente no regime onde o hidrogénio e a água não se podem separar, pelo que consistiriam num único fluido homogéneo de hidrogénio e água.
"Se a água e o hidrogénio estiverem, de facto, substancialmente misturados no interior de um planeta, a estrutura e a evolução térmica de exoplanetas semelhantes à Terra e a Neptuno podem ser substancialmente diferentes dos modelos padrão tipicamente usados neste campo", disse Hilke Schlichting, coautora do estudo e professora de ciências da Terra, planetárias e espaciais da UCLA.
"Por outro lado, os planetas mais frios podem ter uma camada separada enriquecida em água, possivelmente na forma líquida".
A investigação fornece, assim, um quadro inspirado na física para restringir a procura de sistemas planetários na nossa Galáxia, nos quais os exoplanetas ricos em água poderiam ter oceanos de água ou atmosferas onde o hidrogénio e a água estão completamente misturados, e revela o que possivelmente governa esta bifurcação.
// UCLA (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (The Astrophysical Journal Letters)
Quer saber mais?
Exoplanetas:
Wikipedia
Lista de planetas (Wikipedia)
Lista de exoplanetas potencialmente habitáveis (Wikipedia)
Lista de exoplanetas mais próximos (Wikipedia)
Lista de extremos (Wikipedia)
Lista de exoplanetas candidatos a albergar água líquida (Wikipedia)
Open Exoplanet Catalogue
NASA
Exoplanet.eu |