No passado dia 19 de março, a missão Euclid da ESA divulgou o primeiro lote de dados do seu levantamento, incluindo uma antevisão dos seus campos profundos. Centenas de milhares de galáxias de diferentes formas e tamanhos ocupam um lugar central e mostram um vislumbre da sua organização em grande escala na teia cósmica.
Cobrindo uma enorme área do céu em três mosaicos, o lançamento de dados inclui também numerosos enxames de galáxias, núcleos galácticos ativos e fenómenos transientes, bem como o primeiro levantamento de classificação de mais de 380.000 galáxias e 500 candidatas a lentes gravitacionais, compiladas através de esforços combinados de inteligência artificial e ciência cidadã. Tudo isto prepara o cenário para a vasta gama de tópicos que o Euclid, o detetive do Universo escuro, deverá abordar com o seu rico conjunto de dados.
"O Euclid mostra-se mais uma vez como a derradeira máquina de descoberta. Está a observar galáxias à escala mais grandiosa, permitindo-nos explorar a nossa história cósmica e as forças invisíveis que moldam o nosso Universo", afirma a Diretora de Ciência da ESA, professora Carole Mundell.
"Com a publicação dos primeiros dados do levantamento Euclid, estamos a revelar um tesouro de informação para os cientistas mergulharem e abordarem algumas das questões mais intrigantes da ciência moderna. Com isto, a ESA está a cumprir o seu compromisso de permitir o progresso científico para as gerações vindouras".
O Euclid já explorou as três áreas do céu onde irá eventualmente efetuar as observações mais profundas da sua missão. Em apenas uma semana de observações, com uma varredura de cada região até agora, o Euclid já detetou 26 milhões de galáxias. As mais distantes estão a 10,5 mil milhões de anos-luz de distância.
Os campos também contêm uma pequena população de quasares brilhantes que podem ser vistos muito mais longe. Nos próximos anos, o Euclid passará dezenas de vezes por estas três regiões, captando muitas mais galáxias distantes, tornando estes campos verdadeiramente "profundos" no final da missão nominal, em 2030.
Mas o primeiro vislumbre de 63 graus quadrados do céu, a área equivalente a mais de 300 vezes a Lua cheia, já dá uma antevisão impressionante da escala do grande atlas cósmico do Euclid quando a missão estiver completa. Este atlas cobrirá um-terço de todo o céu - 14.000 graus quadrados - com este detalhe e alta qualidade.
Rastreando a teia cósmica nos campos profundos do Euclid
"É impressionante como uma observação das áreas de campo profundo já nos deu uma grande quantidade de dados que podem ser usados para uma variedade de tópicos na astronomia: desde formas de galáxias, a lentes fortes, enxames e formação de estrelas, entre outros", diz Valeria Pettorino, cientista do projeto Euclid da ESA. "Observaremos cada campo profundo entre 30 e 52 vezes ao longo dos seis anos de missão do Euclid, melhorando de cada vez a resolução de como vemos essas áreas e o número de objetos que conseguimos observar. Imaginem só as descobertas que nos esperam".
Para responder aos mistérios para que foi concebido, o Euclid mede com grande precisão a enorme variedade de formas e a distribuição de milhares de milhões de galáxias com o seu VIS (Visible Instrument), enquanto o seu instrumento NISP (Near-Infrared Spectrometer and Photometer) é essencial para desvendar as distâncias e massas das galáxias. As novas imagens já mostram esta capacidade para centenas de milhares de galáxias e começam a sugerir a organização em grande escala destas galáxias na teia cósmica. Estes filamentos de matéria comum e matéria escura são "tecidos" através do cosmos e, a partir deles, as galáxias formaram-se e evoluíram. Esta é uma peça essencial do puzzle para compreender a natureza misteriosa da matéria escura e da energia escura, que, em conjunto, parecem constituir 95% do Universo.
"Todo o potencial do Euclid para aprender mais sobre a matéria escura e a energia escura a partir da estrutura em grande escala da teia cósmica só será atingido quando tiver completado todo o seu estudo. No entanto, o volume desta primeira divulgação de dados já nos fornece um primeiro vislumbre único da organização em grande escala das galáxias, que podemos utilizar para aprender mais sobre a formação galáctica ao longo do tempo", afirma Clotilde Laigle, cientista do Consórcio Euclid e especialista em processamento de dados do Institut d'Astrophysique de Paris, em França.
Humanos e IA classificam mais de 380.000 galáxias
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Esta imagem mostra exemplos de galáxias com diferentes formas, todas captadas pelo Euclid durante as suas primeiras observações das áreas de Campo Profundo.
Como parte do lançamento de dados, foi publicado um catálogo detalhado de mais de 380.000 galáxias, que foram classificadas de acordo com características como braços espirais, barras centrais e caudas de maré que inferem galáxias em fusão.
Crédito: ESA/Euclid/Consórcio Euclid/NASA, processamento por M. Walmsley, M. Huertas-Company, J.-C. Cuillandre |
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Prevê-se que o Euclid capte imagens de mais de 1,5 mil milhões de galáxias ao longo de seis anos, enviando cerca de 100 GB de dados por dia. Um conjunto de dados tão grande cria oportunidades de descoberta incríveis, mas enormes desafios quando se trata de procurar, analisar e catalogar galáxias. O avanço dos algoritmos de IA (inteligência artificial), em combinação com milhares de cidadãos voluntários e especialistas em ciência, está a desempenhar um papel fundamental.
"Estamos num momento crucial em termos da forma como lidamos com levantamentos em grande escala em astronomia. A IA é uma parte fundamental e necessária do nosso processo para explorar plenamente o vasto conjunto de dados do Euclid", afirma Mike Walmsley, cientista do Consórcio Euclid na Universidade de Toronto, no Canadá, que tem estado fortemente envolvido em algoritmos astronómicos de aprendizagem profunda ao longo da última década.
"Estamos a construir as ferramentas e a disponibilizar as medições. Desta forma, podemos fornecer ciência de ponta numa questão de semanas, em comparação com o processo de análise de grandes levantamentos como este, que demorava anos no passado", acrescenta.
Um marco importante neste esforço é o primeiro catálogo detalhado de mais de 380.000 galáxias, que foram classificadas de acordo com características como braços espirais, barras centrais e caudas de maré que inferem a fusão de galáxias. O catálogo é criado pelo algoritmo de IA "Zoobot". Durante uma campanha intensiva de um mês no Galaxy Zoo, no ano passado, 9976 voluntários humanos trabalharam em conjunto para ensinar o Zoobot a reconhecer as características das galáxias através da classificação de imagens do Euclid.
Este primeiro catálogo representa apenas 0,4% do número total de galáxias de resolução semelhante que se espera obter durante o tempo de vida do Euclid. O catálogo final apresentará a morfologia pormenorizada de, pelo menos, uma ordem de grandeza maior de galáxias do que alguma vez foi medida, ajudando os cientistas a responder a questões como a formação de braços espirais e o crescimento de buracos negros supermassivos.
"Estamos a olhar para as galáxias de dentro para fora, desde a forma como as suas estruturas internas governam a sua evolução até à forma como o ambiente externo molda a sua transformação ao longo do tempo", acrescenta Clotilde.
"O Euclid é uma mina de ouro de dados e o seu impacto será de grande alcance, desde a evolução das galáxias até aos objetivos cosmológicos mais abrangentes da missão".
Motor de descoberta de lentes gravitacionais
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Esta imagem mostra exemplos de lentes gravitacionais que o Euclid captou nas suas primeiras observações das áreas de Campo Profundo.
Utilizando uma varredura inicial por modelos de inteligência artificial, seguida de uma inspeção por parte de ciência cidadã, da verificação por peritos e da modelação, foi criado um primeiro catálogo de 500 candidatas a lentes fortes galáxia-galáxia, quase todos desconhecidas até agora. Este tipo de lente ocorre quando uma galáxia em primeiro plano e o seu halo de matéria escura atuam como uma lente, distorcendo a imagem de uma galáxia de fundo ao longo da linha de visão em direção ao Euclid.
Com a ajuda destes modelos, o Euclid irá captar cerca de 7000 candidatas na grande publicação de dados cosmológicos prevista para o final de 2026, e cerca de 100.000 lentes fortes galáxia-galáxia até ao final da missão, cerca de 100 vezes mais do que as atualmente conhecidas.
Crédito: ESA/Euclid/Consórcio Euclid/NASA, processamento por M. Walmsley, M. Huertas-Company, J.-C. Cuillandre |
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A luz que viaja na nossa direção a partir de galáxias distantes é curvada e distorcida pela matéria normal e escura em primeiro plano. Este efeito chama-se lente gravitacional e é uma das ferramentas que o Euclid utiliza para revelar como a matéria escura está distribuída pelo Universo.
Quando as distorções são muito evidentes, dá-se o nome de "lente forte", que pode resultar em características como anéis de Einstein, arcos e lentes múltiplas.
Utilizando uma varredura inicial por modelos de IA, seguida de uma inspeção pela ciência cidadã, verificação por peritos e modelação, foi também publicado um primeiro catálogo de 500 candidatas a lentes fortes galáxia-galáxia, quase todas desconhecidas até agora. Este tipo de lente ocorre quando uma galáxia em primeiro plano e o seu halo de matéria escura atuam como uma lente, distorcendo a imagem de uma galáxia de fundo ao longo da linha de visão em direção ao Euclid.
Com a ajuda destes modelos, o Euclid irá captar cerca de 7000 candidatas na grande publicação de dados cosmológicos prevista para o final de 2026, e cerca de 100.000 lentes fortes galáxia-galáxia até ao final da missão, cerca de 100 vezes mais do que as atualmente conhecidas.
O Euclid também será capaz de medir lentes "fracas", quando as distorções das fontes de fundo são muito mais pequenas. Estas distorções subtis só podem ser detetadas analisando um grande número de galáxias de forma estatística. Nos próximos anos, o Euclid irá medir as formas distorcidas de milhares de milhões de galáxias ao longo de 10 mil milhões de anos de história cósmica, fornecendo assim uma visão 3D da distribuição da matéria escura no nosso Universo.
"O Euclid está a cobrir muito rapidamente áreas cada vez maiores do céu graças às suas capacidades de observação sem precedentes", diz Pierre Ferruit, gestor da missão Euclid da ESA, que se encontra no ESAC (European Space Astronomy Centre) da ESA em Espanha, sede do Arquivo de Ciência Astronómica onde os dados do Euclid serão disponibilizados.
"Esta publicação de dados realça o incrível potencial que temos ao combinar os pontos fortes do Euclid, da IA, da ciência cidadã e dos especialistas num único motor de descoberta que será essencial para lidar com o vasto volume de dados transmitidos pelo Euclid".
Até ao dia 19 de março de 2025, o Euclid já tinha observado cerca de 2000 graus quadrados, aproximadamente 14% da área total do seu levantamento (14.000 graus quadrados).
Os lançamentos "rápidos" do Euclid, como este, são de áreas selecionadas, destinados a demonstrar os produtos de dados que se esperam nos lançamentos de dados principais vindouros e a permitir que os cientistas aperfeiçoem as suas ferramentas de análise de dados em preparação. Os primeiros dados cosmológicos da missão serão divulgados à comunidade em outubro de 2026. Os dados acumulados ao longo de múltiplas passagens adicionais das localizações de campo profundo serão incluídos no lançamento de 2026.
Este lançamento de dados de 19 de março de 2025 está descrito em vários artigos científicos que ainda não passaram pelo processo de revisão por pares, mas que serão submetidos à revista Astronomy & Astrophysics. A pré-impressão dos artigos científicos está disponível na página de Publicações do Consórcio Euclid.
// ESA (comunicado de imprensa)
// NASA (comunicado de imprensa)
// Instituto Max Planck (comunicado de imprensa)
// IAC (comunicado de imprensa)
// Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (comunicado de imprensa)
// Artigos científicos do 1.º lançamento "rápido" do Euclid (Consórcio Euclid via ESA)
Quer saber mais?
Galáxias:
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Matéria escura:
Wikipedia
Energia escura:
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Lentes gravitacionais:
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Euclid:
ESA
Euclid Quick Data Release 1 (ESA)
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