Mercúrio é o mais pequeno dos oito planetas do Sistema Solar, o mais próximo do Sol e, invulgarmente, não tem atmosfera. Em conjunto, estes fatores fazem dele um caso único na investigação planetária. O Centro Aeroespacial Alemão (Deutsches Zentrum für Luft- und Raumfahrt; DLR), a Universidade Técnica de Berlim, o Instituto de Tecnologia de Karlsruhe e a Universidade Charles em Praga investigaram vários aspetos geofísicos relacionados com as condições térmicas de Mercúrio e do seu interior. As suas descobertas foram agora publicadas em três artigos científicos na revista Geophysical Research Letters. Os resultados são surpreendentes, mas também importantes para a investigação de Mercúrio com a missão europeia-japonesa BepiColombo, que deverá atingir a sua órbita em torno do planeta no final de 2026.
Mercúrio orbita o Sol a pouco menos de 60 milhões de quilómetros. Como resultado, o lado iluminado de Mercúrio é intensamente quente, enquanto temperaturas extremamente baixas prevalecem no lado noturno. Esta grande diferença também se deve à ausência de uma atmosfera que armazene calor no planeta - uma vez que o calor é irradiado diretamente para o espaço após o pôr-do-Sol. A proximidade de Mercúrio ao Sol, combinada com as características da sua superfície, a sua composição desde o núcleo mais interno até à crosta e os seus campos gravitacionais variáveis, distingue-o dos outros planetas do Sistema Solar. É possível que a soma destes extremos tenha levado a alterações na rotação e órbita do planeta em torno do Sol no passado - mas esta é apenas uma de várias explicações possíveis.
Os três artigos científicos recentes incluem medições da missão MESSENGER da NASA, que observou Mercúrio a partir de órbita entre 2011 e 2015. Incluem também modelos baseados em parâmetros conhecidos, que foram utilizados para simular a estrutura e os processos evolutivos de Mercúrio no espaço e no tempo. Tal como Vénus, Marte e a Terra, Mercúrio é um planeta rochoso. E, tal como a Terra, tem um campo magnético devido ao seu núcleo de metal líquido, mas não tem atmosfera.
Tal como a Lua, Mercúrio tem uma massa demasiado pequena para se agarrar às moléculas voláteis de um invólucro gasoso. Este facto, por si só, tem um impacto significativo nas propriedades e processos relacionados com a radiação solar. A sua estrutura também difere consideravelmente da de outros corpos semelhantes à Terra, com um núcleo metálico desproporcionadamente grande que perfaz 80% do raio do planeta, deixando um manto rochoso sobrejacente com apenas 400 quilómetros de espessura. A razão deste facto continua a ser um dos grandes mistérios da ciência planetária.
A crosta rochosa revela informações sobre a evolução planetária - quanto maior a porosidade, menor a transferência de calor
Adrien Broquet, do Instituto de Investigação Planetária do DLR em Berlim-Adlershof, e a sua equipa descobriram que a crosta craterada de Mercúrio tem uma porosidade de 9 a 18 por cento. Isto sugere uma densidade média de rocha de pouco mais de 2,5 toneladas por metro cúbico - o que é comparável às rochas das partes mais leves da crosta lunar, conhecidas como anortositos. Estes são aluminossilicatos ricos em feldspato e cálcio.
Estas cavidades são formadas pelo arrefecimento e cristalização de rochas fundidas ou pela fragmentação da crosta durante impactos de grandes asteroides. Não é, portanto, coincidência que as regiões com os valores mais elevados de porosidade se encontrem em torno da bacia Caloris, com 1500 quilómetros de largura. O modelo subjacente a estes resultados deriva a espessura da crosta do planeta a partir de dados gravitacionais e topográficos de alta resolução recolhidos pela sonda MESSENGER da NASA.
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Este mosaico da bacia Caloris, com cerca de 1500 quilómetros de largura, é uma composição a cores sobreposta a um mosaico monocromático. O mosaico a cores é constituído por imagens captadas pela sonda espacial MESSENGER da NASA em 2014. As imagens individuais foram obtidas quando o Sol estava baixo no céu, lançando longas sombras sobre a topografia e tornando as características da paisagem mais visíveis. A bacia Caloris foi inundada por lava, representada a laranja neste mosaico. A compreensão da estrutura da crosta de grandes bacias de impacto e o estudo das diferenças no campo gravitacional em grandes crateras de impacto e nas suas imediações fornecem informações valiosas sobre a história geológica de um planeta como Mercúrio.
Crédito: NASA/JHUAPL/Instituto Carnegie |
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A porosidade das rochas superficiais influencia o transporte de calor, que é gerado no interior do planeta, sobe e "quer" ser irradiado para o espaço. A superfície de um planeta rochoso não só absorve a energia irradiada pelo Sol e liberta-a de volta para o espaço na escuridão da noite, como também atua como uma barreira térmica para o calor gerado pelo decaimento de elementos radioativos no interior do planeta e que permanece armazenado desde o momento da sua formação - conhecido como calor de acreção. Este calor sobe e, dependendo das propriedades da crosta, é irradiado para o espaço. Através deste processo, o planeta arrefece ao longo de milhares de milhões de anos - e quanto mais pequeno for o corpo planetário, mais rapidamente perde calor. Compreender a estrutura da crosta de Mercúrio é, portanto, de importância crucial para decifrar a história geológica de um corpo semelhante à Terra.
Fortes contrastes de temperatura influenciam a dinâmica interna
A órbita de Mercúrio em torno do Sol e a sua forma esférica fazem com que algumas regiões recebam mais radiação solar do que outras. Mercúrio tem atualmente o que se chama uma "ressonância rotação-órbita" de 3:2, o que significa que gira três vezes sobre o seu eixo por cada duas órbitas em torno do Sol. Para além disso, o seu eixo de rotação é quase perpendicular ao seu plano orbital, o que levou a um padrão de temperatura à superfície que é único no Sistema Solar. As regiões quentes à volta do equador têm temperaturas até 430 graus Celsius durante o dia, enquanto as regiões polares e as zonas mais frias - criadas pela ressonância 3:2 - atingem -170º C. Pensa-se que possa existir gelo nas crateras profundas dos polos de Mercúrio, onde a luz solar nunca penetra. Estas temperaturas extremas e o padrão característico da temperatura à superfície têm um grande impacto não só na superfície de Mercúrio, mas também no seu interior.
O geofísico Aymeric Fleury, também do Instituto de Investigação Planetária do DLR, e a sua equipa descobriram como as variações de temperatura à superfície de Mercúrio influenciam as temperaturas nas camadas mais profundas do planeta. Estas variações também afetam o fluxo de calor à superfície e mostram como Mercúrio perde o calor produzido no seu interior. Para além de influenciar o fluxo de calor à superfície do planeta, as diferenças de temperatura também têm impacto na fronteira entre o manto rochoso e o núcleo metálico, 400 quilómetros sob a superfície. As correntes de calor resultantes destas diferenças de temperatura podem, assim, influenciar a criação de campos magnéticos.
Esta observação notável será testada com modelos do campo magnético do núcleo e, a partir de 2027, será cada vez mais medida e analisada com a experiência MPO-Mag desenvolvida pela Universidade Técnica de Braunschweig a bordo do orbitador planetário BepiColombo.
Será que Mercúrio já orbitou o Sol de forma diferente?
O estudo das grandes bacias de impacto de Mercúrio também permite conhecer as estruturas que se encontram por baixo da superfície, escondidas das câmaras. Os impactos de asteroides, nos primeiros tempos do planeta, criaram dezenas de crateras com um diâmetro de mais de 100 quilómetros. Isto resultou na redistribuição de enormes massas de rocha, levando a variações no campo gravitacional. Após um impacto, a ejeção de material mais leve da crosta e a ascensão de material mais denso do manto a partir de baixo, a força gravitacional torna-se mais elevada nesses pontos do que nas áreas circundantes. No entanto, os contrastes no campo gravitacional normalmente voltam a equilibrar-se ao longo de milhões de anos, à medida que o material que foi empurrado para o lado volta a preencher lentamente a depressão. Este processo, conhecido como fluxo viscoso, ocorre mais rapidamente em material morno ou quente do que em rochas frágeis e frias. Como resultado, as diferenças no campo gravitacional voltam a nivelar-se.
A estrutura da crosta destas grandes bacias de impacto fornece assim informações valiosas sobre a história geológica de planetas como Mercúrio. Os geofísicos Claudia Szczech e Jürgen Oberst, da Universidade Técnica de Berlim, trabalharam com uma equipa de cinco pessoas do Instituto de Investigação Planetária do DLR para investigar as diferenças do campo gravitacional que ainda podem ser medidas após mais de três mil milhões de anos. Estudaram 36 bacias de impacto com diâmetros de mais de 300 quilómetros e os seus contrastes Bouguer - nome dado em homenagem ao polímata francês Pierre Bouguer (1698-1758) - como indicadores de relaxamento viscoelástico.
A equipa utilizou modelos de desenvolvimento térmico baseados na atual ressonância 3:2 de Mercúrio para prever as temperaturas da crosta. O estudo mostra que a correlação esperada entre zonas com uma crosta quente e um baixo contraste Bouguer (pouco relaxamento) não foi observada nos dados disponíveis. Isto pode significar que as temperaturas da crosta no passado eram diferentes das que os modelos anteriores tinham assumido. As possíveis razões para este facto podem incluir uma mudança na órbita de Mercúrio em torno do Sol ou um grande evento vulcânico associado à formação das extensas planícies no hemisfério norte do planeta.
// DLR (comunicado de imprensa)
// Artigo científico #1 (Geophysical Research Letters)
// Artigo científico #2 (Geophysical Research Letters)
// Artigo científico #3 (Geophysical Research Letters)
Quer saber mais?
Mercúrio:
NASA
CCVAlg - Astronomia
Wikipedia
MESSENGER (Mercury Surface, Space Environment, Geochemistry and Ranging):
NASA
JHUAPL
Wikipedia
BepiColombo:
ESA
JAXA
Wikipedia |