A instabilidade no início do Sistema Solar

Seth Jacobson, da Universidade Estatal do Michigan, e colegas na China e na França revelaram uma nova teoria que pode ajudar a resolver um mistério galáctico de como o nosso Sistema Solar evoluiu. Especificamente, como é que os gigantes gasosos – Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno – acabaram onde estão, nas suas órbitas em torno do Sol.

A investigação também tem implicações no modo como planetas terrestres como a Terra se formaram e na possibilidade de um quinto gigante gasoso escondido a mais de 80 mil milhões de quilómetros de distância.

“O nosso Sistema Solar nem sempre teve o aspeto que tem hoje. Ao longo da sua história, as órbitas dos planetas mudaram radicalmente,” disse Jacobson, professor assistente no Departamento de Ciências da Terra e do Ambiente da Faculdade de Ciências Naturais da Universidade Estatal do Michigan. “Mas podemos descobriu o que aconteceu.”

A investigação, publicada dia 27 de abril na revista Nature, fornece uma explicação para o que aconteceu aos gigantes de gás noutros sistemas solares e no nosso.

Todas as estrelas, incluindo o nosso Sol, nasceram a partir de uma nuvem de gás e poeira. Esta nuvem também pode “semear” planetas que vão orbitar a estrela.
Crédito: NASA/JPL-Caltech

O modelo de Nice

As estrelas nascem a partir de nuvens massivas e rodopiantes de gás e poeira cósmica. Assim que o Sol começou a brilhar, o Sistema Solar primitivo ainda tinha um disco primordial de gás que desempenhou um papel integral na formação e evolução dos planetas, incluindo os gigantes gasosos.

No final do século XX, os cientistas começaram a pensar que os gigantes de gás circulavam inicialmente o Sol em órbitas organizadas, compactas e uniformemente espaçadas. Júpiter, Saturno e os outros planetas gigantes, contudo, instalaram-se há muito tempo em órbitas relativamente oblongas, tortas e dispersas.

Assim, a questão para os investigadores agora é, porquê?

Em 2005, uma equipa internacional de cientistas propôs uma resposta a essa pergunta num trio de artigos de referência na revista Nature. A solução foi originalmente desenvolvida em Nice, França e é conhecida como o modelo de Nice. Afirma a existência de uma instabilidade entre estes planetas, um conjunto caótico de interações gravitacionais que eventualmente colocou os planetas nas suas órbitas atuais.

“Esta foi uma mudança gigante na forma como as pessoas pensavam sobre o Sistema Solar primitivo,” disse Jacobson.

O modelo de Nice continua a ser uma explicação principal mas, nos últimos 17 anos, os cientistas encontraram novas questões a colocar sobre o que desencadeia a instabilidade no modelo de Nice.

Por exemplo, pensava-se originalmente que a instabilidade dos gigantes gasosos ocorreu centenas de milhões de anos após a dispersão daquele disco primordial de gás que deu origem ao Sistema Solar. Mas novas evidências, incluindo algumas encontradas nas rochas lunares recuperadas pelas missões Apollo, sugerem que isso aconteceu mais cedo. Isso também levanta novas questões sobre como o Sistema Solar interior, que hospeda a Terra, evoluiu.

Trabalhando com Beibei Liu da Universidade Zhejiang na China e Sean Raymond da Universidade de Bordéus na França, Jacobson ajudou a encontrar uma solução que tem a ver com a forma como a instabilidade começou. A equipa propôs um novo “gatilho”.

“Penso que a nossa nova ideia poderia realmente relaxar muitas tensões no campo, porque o que propusemos é uma resposta muito natural para quando ocorreu a instabilidade dos planetas gigantes,” disse Jacobson.

O novo “gatilho”

A ideia começou com uma conversa que Raymond e Jacobson tiveram em 2019. Eles teorizaram que os gigantes de gás podem ter sido colocados nas suas órbitas atuais devido à forma como o disco primordial de gás se evaporou. Isso poderia explicar como os planetas se espalharam muito mais cedo na evolução do Sistema Solar do que o modelo de Nice originalmente afirmou e talvez mesmo sem a instabilidade os empurrar para lá.

“Perguntámo-nos se o modelo de Nice era realmente necessário para explicar o Sistema Solar,” disse Raymond. “Surgiu-nos a ideia de que os planetas gigantes poderiam eventualmente espalhar-se por um efeito de ‘ricochete’ à medida que o disco se dissipava, talvez sem nunca se tornar instável.”

Raymond e Jacobson falaram então com Liu, pioneiro nesta ideia de efeito de “ricochete” através de extensas simulações de discos de gás e exoplanetas gigantes – planetas noutros sistemas solares – que orbitam perto das suas estrelas.

“A situação no nosso Sistema Solar é ligeiramente diferente porque Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno estão distribuídos em órbitas mais largas,” disse Liu. “Após algumas iterações de sessões de ‘brainstorming’, tomámos consciência de que o problema poderia ser resolvido se o disco de gás se dissipasse de dentro para fora.”

Renderização de artista que mostra um hipotético sistema solar precoce com uma jovem estrela a limpar um caminho no gás e poeira deixada pela sua formação. Esta ação de limpeza afetaria as órbitas dos gigantes gasosos que orbitam a estrela.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/T. Pyle (SSC)

A equipa descobriu que esta dissipação de dentro para fora proporcionava um “gatilho” natural para a instabilidade no modelo de Nice, disse Raymond.

“Acabámos por reforçar o modelo de Nice, em vez de o destruir,” explicou. “Foi uma ilustração divertida de testar as nossas ideias pré-concebidas e de seguir os resultados, para onde quer que nos levassem.”

Com o novo “gatilho”, a imagem no início da instabilidade parece a mesma. Ainda temos um Sol nascente rodeado por uma nuvem de gás e poeira. Um punhado de jovens gigantes gasosos giram em torno da estrela em órbitas organizadas e compactas ao longo daquela nuvem.

“Todos os sistemas solares são formados num disco de gás e poeira. É um subproduto natural de como as estrelas se formam,” disse Jacobson. “Mas à medida que o Sol é ‘ligado’ e começa a queimar o seu combustível nuclear, gera luz, aquecendo o disco e eventualmente soprando-o de dentro para fora.”

Isto criou um buraco cada vez maior na nuvem de gás, buraco este centrado no Sol. À medida que o buraco crescia, a sua orla varria as órbitas de cada um dos gigantes gasosos. Esta transição leva à instabilidade necessária com uma probabilidade muito alta, de acordo com simulações computorizadas da equipa. O processo de deslocação destes planetas gigantes para as suas órbitas atuais também é rápido em comparação com a linha temporal original de centenas de milhões de anos do modelo de Nice.

“A instabilidade ocorre cedo, à medida que o disco gasoso do Sol se dissipa, limitada entre poucos milhões a 10 milhões de anos após o nascimento do Sistema Solar,” disse Liu.

O novo “gatilho” também leva à mistura de material do Sistema Solar exterior e do Sistema Solar interior. A geoquímica da Terra sugere que tal mistura teve que ocorrer enquanto o nosso planeta ainda estava em formação.

“Este processo vai realmente ‘agitar’ o Sistema Solar interior e a Terra pode crescer a partir daí,” disse Jacobson. “Isso é bastante consistente com as observações.” A exploração da ligação entre a instabilidade e a formação da Terra é um tema de trabalho futuro para o grupo.

Finalmente, a nova explicação da equipa também se aplica a outros sistemas solares da nossa Galáxia onde os cientistas observaram gigantes gasosos a orbitar as suas estrelas em configurações como as que vemos no nosso.

“Somos apenas um exemplo de um sistema solar na nossa Galáxia,” disse Jacobson. “O que estamos a mostrar é que a instabilidade ocorreu de forma diferente, mais universal e mais consistente.”

O planeta 9 do espaço exterior

Embora o artigo da equipa não enfatize isto, Jacobson disse que o trabalho tem implicações para um dos debates mais populares e ocasionalmente acalorados sobre o nosso Sistema Solar: quantos planetas tem?

Atualmente a resposta é oito, mas ao que parece o modelo de Nice funciona ligeiramente melhor quando o Sistema Solar tinha cinco gigantes gasosos em vez de quatro. Infelizmente, de acordo com o modelo, aquele planeta extra foi “pontapeado” do nosso Sistema Solar durante a instabilidade, o que ajuda os restantes gigantes gasosos a alcançar as suas órbitas.

Impressão de artista do Planeta 9.
Crédito: ESO/Tom Ruen/nagualdesign

No entanto, em 2015, investigadores do Caltech encontraram evidências de que pode ainda haver um planeta por descobrir a cerca de 80 mil milhões de quilómetros do Sol, mais de 75 mil milhões de quilómetros para lá de Neptuno.

Ainda não existem evidências concretas de que este planeta hipotético – apelidado Planeta X ou Planeta 9 – ou de que o planeta “extra” do modelo de Nice realmente existam. Mas, a ser verdade, será que dizem respeito ao mesmo objeto?

Jacobson e colegas não conseguiram responder diretamente a esta pergunta com as suas simulações, mas conseguiram chegar à segunda melhor coisa. Sabendo que o “gatilho” da instabilidade reproduz corretamente a imagem atual do nosso Sistema Solar, puderam testar se o seu modelo funciona melhor começando com quatro ou com cinco gigantes gasosos.

“Para nós, o resultado foi muito semelhante caso comecemos com quatro ou cinco,” disse Jacobson. “Se começarmos com cinco, é mais provável que acabemos com quatro. Mas se começarmos com quatro, as órbitas acabam por corresponder melhor.”

Seja como for, a humanidade poderá ter em breve uma resposta. O Observatório Vera Rubin, programado para ficar operacional no final de 2023, deverá ser capaz de avistar o Planeta 9 se realmente ele existir.

“O Planeta 9 é super controverso, por isso não o sublinhámos no artigo,” disse Jacobson, “mas gostamos de falar sobre ele com o público.”

É um lembrete de que o nosso Sistema Solar é um lugar dinâmico, ainda cheio de mistérios e de descobertas à espera de serem feitas.

// Universidade Estatal do Michigan (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Nature)
// Simulação da instabilidade no Sistema Solar (Liu et al.)

Saiba mais:

Modelo de Nice:
Wikipedia

Sistema Solar:
Wikipedia

Formação e evolução do Sistema Solar:
Wikipedia

Sobre Miguel Montes

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