O Telescópio Espacial James Webb captou algo inédito: uma imagem nítida, no infravermelho médio, de um sistema com quatro espirais serpenteantes de poeira, uma a expandir-se para além da outra, exatamente com o mesmo padrão (a quarta é quase transparente, nos limites da imagem do Webb). Observações efetuadas antes do Webb apenas detetaram uma concha e, embora se tenha levantado a hipótese da existência de outras conchas, as pesquisas com telescópios terrestres não conseguiram descobrir nenhuma. Estas conchas foram emitidas nos últimos 700 anos por duas estrelas Wolf-Rayet envelhecidas num sistema conhecido como Apep, uma homenagem ao deus egípcio do caos.
A imagem obtida pelo Webb, combinada com vários anos de dados do VLT (Very Large Telescope) do ESO, no Chile, permitiu determinar a frequência com que o par passa um pelo outro: uma vez em cada 190 anos. Em cada órbita incrivelmente longa, ficam relativamente perto durante 25 anos e formam poeira.
O Webb também confirmou que existem três estrelas ligadas gravitacionalmente umas às outras neste sistema. A poeira expelida pelas duas estrelas Wolf-Rayet é "cortada" por uma terceira estrela, uma supergigante massiva, que abre buracos em cada nuvem de poeira em expansão a partir da sua órbita mais larga (as três estrelas são vistas como um único ponto brilhante de luz na imagem do Webb).
"Olhar para as novas observações do Webb foi como entrar numa sala escura e acender a luz - tudo se tornou visível", disse Yinuo Han, o autor principal de um novo artigo científico publicado na revista The Astrophysical Journal e investigador de pós-doutoramento no Caltech em Pasadena, Califórnia, EUA. "Há poeira por todo o lado na imagem do Webb e o telescópio mostra que a maior parte dela foi lançada em estruturas repetitivas e previsíveis". O artigo científico de Han coincide com a publicação de um artigo científico, na revista The Astrophysical Journal, por Ryan White, um estudante de doutoramento da Universidade Macquarie em Sydney, na Austrália.
Han, White e os seus coautores refinaram a órbita das estrelas Wolf-Rayet combinando medições precisas da localização dos anéis a partir da imagem do Webb com a velocidade de expansão das conchas a partir de observações efetuadas pelo VLT ao longo de oito anos.
"Este é um sistema único com um período orbital incrivelmente raro", disse White. "A próxima órbita mais longa para um binário Wolf-Rayet poeirento é de cerca de 30 anos. A maioria tem órbitas entre dois e 10 anos".
Quando as duas estrelas Wolf-Rayet se aproximam e passam uma pela outra, os seus fortes ventos estelares colidem e misturam-se, formando e lançando grandes quantidades de poeira rica em carbono durante um quarto de século de cada vez. Em sistemas semelhantes, a poeira é projetada ao longo de meros meses, como as conchas de Wolf-Rayet 140.
Escaramuças a alta velocidade
As estrelas Wolf-Rayet produtoras de poeira em Apep não estão exatamente num cruzeiro tranquilo. Atravessam o espaço e lançam poeira a uma velocidade de 2000 a 3000 quilómetros por segundo.
Essa poeira é também muito densa. A composição específica da poeira é outra razão pela qual o Webb foi capaz de observar muito mais: é constituída maioritariamente por carbono amorfo. "Os grãos de poeira de carbono mantêm uma temperatura mais elevada mesmo quando se afastam da estrela", disse Han. Embora os excecionalmente pequenos grãos de poeira sejam considerados quentes no espaço, a luz que emitem é também extremamente fraca, razão pela qual só pode ser detetada a partir do espaço pelo instrumento MIRI (Mid-Infrared Instrument) do Webb.
Cortando a poeira
Para encontrar os buracos que a terceira estrela cortou como uma faca na poeira, procure o ponto central de luz e trace uma forma de V como ponteiros do relógio entre as 10 horas e as 2 horas. "A cavidade está mais ou menos no mesmo sítio em cada concha e parece um funil", disse White.
"Fiquei chocado quando vi os cálculos atualizados nas nossas simulações", disse. "O Webb deu-nos a "arma fumegante" para provar que a terceira estrela está gravitacionalmente ligada a este sistema". Os investigadores já sabiam da existência da terceira estrela desde que o VLT observou a concha mais brilhante e as estrelas em 2018, mas as observações do Webb levaram a um modelo geométrico atualizado, confirmando a ligação.
"Resolvemos vários mistérios com o Webb", disse Han. "O mistério restante é a distância exata das estrelas à Terra, o que exigirá observações futuras".
O futuro de Apep
As duas estrelas Wolf-Rayet eram inicialmente mais massivas do que a sua companheira supergigante, mas já perderam a maior parte da sua massa. É provável que ambas as estrelas Wolf-Rayet tenham entre 10 e 20 vezes a massa do Sol, e que a supergigante seja 40 ou 50 vezes mais massiva do que o Sol.
Eventualmente, as estrelas Wolf-Rayet explodirão como supernovas, enviando rapidamente o seu conteúdo para o espaço. Qualquer uma delas pode também emitir uma explosão de raios gama, um dos eventos mais poderosos do Universo, antes de possivelmente se transformarem em buracos negros.
As estrelas Wolf-Rayet são incrivelmente raras no Universo. Estima-se que existam apenas mil na nossa Galáxia, a Via Láctea, que contém centenas de milhares de milhões de estrelas. Das poucas centenas de binários Wolf-Rayet que foram observados até à data, Apep é o único exemplo, na nossa Galáxia, que contém duas estrelas Wolf-Rayet deste tipo - a maioria só tem uma.
// NASA (comunicado de imprensa)
// Caltech (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (The Astrophysical Journal)
// Artigo científico #2 (The Astrophysical Journal)
Quer saber mais?
CCVAlg - Astronomia:
23/11/2018 - Uma serpente cósmica
Sistema Apep:
SIMBAD
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Estrelas Wolf-Rayet:
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NASA
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