METANO NAS PLUMAS DE ENCÉLADO: POSSÍVEIS SINAIS DE VIDA? 9 de julho de 2021
Plumas dramáticas, tanto grandes como pequenas, expelem água gelada a partir de muitos locais ao longo das "listas de tigre" perto do pólo sul de Encélado.
Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute
Um novo estudo publicado na revista Nature Astronomy, por cientistas da Universidade do Arizona e da Université Paris Sciences & Lettres, sugere que está provavelmente em funcionamento, no oceano oculto sob a concha gelada da lua de Saturno, Encélado, um processo desconhecido de produção de metano.
As gigantescas plumas de água em erupção de Encélado há muito que fascinam os cientistas e o público, inspirando investigações e especulações sobre o vasto oceano que se pensa estar "espremido" entre o núcleo rochoso da lua e a sua concha gelada. Voando através das plumas e amostrando a sua composição química, a nave espacial Cassini detetou uma concentração relativamente alta de certas moléculas associadas a fontes hidrotermais no fundo dos oceanos da Terra, especificamente di-hidrogénio, metano e dióxido de carbono. A quantidade de metano encontrado nas plumas foi particularmente inesperada.
"Queríamos saber: será que micróbios semelhantes aos da Terra, que 'comem' di-hidrogénio e produzem metano, explicam a quantidade surpreendentemente grande de metano detetada pela Cassini?" disse Régis Ferrière, professor associado do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade do Arizona e um dos dois autores principais do estudo. "A busca por tais micróbios, conhecidos como metanógenos, no fundo do mar de Encélado, exigiria missões de mergulho profundo extremamente desafiadoras que não estão nem nos planos das próximas décadas."
Ferrière e a sua equipa seguiram um caminho diferente e mais fácil: construíram modelos matemáticos para calcular a probabilidade de que diferentes processos, incluindo a metanogénese biológica, pudessem explicar os dados da Cassini.
Os autores aplicaram novos modelos matemáticos que combinam geoquímica e ecologia microbiana para analisar os dados das plumas obtidos pela Cassini e modelar os possíveis processos que melhor explicariam as observações. Eles concluem que os dados da Cassini são consistentes com atividade microbiana de fontes hidrotermais, ou com processos que não envolvem formas de vida, mas são diferentes dos que ocorrem na Terra.
Na Terra, a atividade hidrotermal ocorre quando a água fria do mar penetra no fundo do oceano, circula pela rocha subjacente e passa perto de uma fonte de calor, como uma câmara de magma, antes de expelir novamente essa água por meio de fontes hidrotermais. Na Terra, o metano pode ser produzido através de atividade hidrotermal, mas a um ritmo lento. A maior parte da produção deve-se a microrganismos que aproveitam o desequilíbrio químico do di-hidrogénio produzido hidrotermalmente como fonte de energia e produzem metano a partir do dióxido de carbono num processo chamado de metanogénese.
A equipa analisou a composição das plumas de Encélado como o resultado final de vários processos químicos e físicos que ocorrem no interior da lua. Primeiro, os cientistas avaliaram qual a produção hidrotermal de di-hidrogénio que melhor se ajustaria às observações da Cassini e se esta produção podia fornecer "alimento" suficiente para sustentar uma população de metanógenos hidrogenotróficos semelhantes aos da Terra. Para tal, desenvolveram um modelo para a dinâmica populacional de um hipotético metanógeno hidrogenotrófico, cujo nicho termal e energético foi modelado a partir de estirpes conhecidas da Terra.
Os autores então executaram o modelo para ver se um determinado conjunto de condições químicas, como a concentração de di-hidrogénio no fluido hidrotermal e a temperatura forneceriam um ambiente adequado para o crescimento destes micróbios. Também analisaram o efeito que uma população hipotética de micróbios teria no seu ambiente - por exemplo, nas taxas de escape do hidrogénio e do metano na pluma.
"Em resumo, não apenas pudemos avaliar se as observações da Cassini são compatíveis com um ambiente habitável, mas também pudemos fazer previsões quantitativas sobre as observações esperadas, caso realmente exista metanogénese no fundo do mar de Encélado," explicou Ferrière.
Os resultados sugerem que mesmo a estimativa mais alta possível da produção abiótica de metano - ou produção de metano sem ajuda biológica - com base na química hidrotermal conhecida está longe de ser suficiente para explicar a concentração de metano medida nas plumas. No entanto, ao acrescentar a metanogénese biológica à mistura, podia produzir metano suficiente para coincidir com as observações da Cassini.
"Obviamente, não estamos a concluir que existe vida no oceano de Encélado," disse Ferrière. "Ao invés, queríamos entender a probabilidade de que as fontes hidrotermais de Encélado pudessem ser habitáveis para microrganismos semelhantes aos da Terra. Muito provável, dizem-nos os dados da Cassini, de acordo com os nossos modelos.
"E a metanogénese biológica parece ser compatível com os dados. Por outras palavras, não podemos descartar a 'hipótese de vida' como altamente improvável. Para rejeitar a hipótese de vida, precisamos de mais dados de missões futuras," acrescentou.
Os autores esperam que o seu artigo forneça orientação para estudos que visem melhor compreender as observações feitas pela Cassini e que incentive investigações para elucidar os processos abióticos que podem produzir metano suficiente para explicar os dados.
Por exemplo, o metano pode vir da decomposição de matéria orgânica primordial que pode estar presente no núcleo de Encélado e que pode ser parcialmente transformada em di-hidrogénio, metano e dióxido de carbono por meio do processo hidrotermal. Esta hipótese é muito plausível se se descobrir que Encélado foi formado por meio da acreção de material orgânico fornecido por cometas, explicou Ferrière.
"Em parte, resume-se a quão prováveis pensamos ser as diferentes hipóteses," disse. "Por exemplo, se considerarmos que a probabilidade de vida em Encélado é extremamente baixa, então tais mecanismos abióticos alternativos tornam-se muito mais prováveis, mesmo se forem muito estranhos em comparação com o que conhecemos aqui na Terra."
Segundo os autores, um avanço muito promissor do artigo está na sua metodologia, pois não se limita a sistemas específicos como oceanos interiores de luas geladas e abre caminho para lidar com dados químicos de planetas para lá do Sistema Solar à medida que estes tornarem disponíveis nas próximas décadas.
Esta imagem de Encélado é uma impressão de artista que ilustra a possível atividade hidrotermal no fundo oceânico - e por baixo - subterrâneo, com base em resultados publicados da missão Cassini.
Crédito: NASA/JPL