Top thingy left
 
EXPLOSÕES DE RAIOS-GAMA, ORIUNDAS DE UM MAGNETAR, APARECEM COMO PREVISTO NO ANO PASSADO
20 de julho de 2021

 


Impressão de artista de um "soluço" no campo magnético de um magnetar - uma estrela de neutrões altamente magnetizada - que produz uma poderosa explosão de raios-gama visível por toda a Galáxia. Físicos da Universidade da Califórnia em Berkeley descobriram um padrão invulgar nestes surtos que pode ajudar a determinar o mecanismo preciso que desencadeia os "soluços" e que cria os surtos de raios-gama suaves.
Crédito: Centro de Voo Espacial Goddard da NASA/Chris Smith, USRA/GESTAR

 

Os magnetares são objetos bizarros - estrelas de neutrões massivas e giratórias com campos magnéticos dos mais poderosos conhecidos, capazes de disparar breves explosões de ondas de rádio tão brilhantes que são visíveis por todo o Universo.

Uma equipa de astrofísicos descobriu agora outra peculiaridade dos magnetares: podem emitir rajadas de raios-gama de baixa energia num padrão nunca antes visto em qualquer outro objeto astronómico.

Não se sabe exatamente qual a razão para tal, pois também ainda mal conhecemos os próprios magnetares, com dúzias de teorias sobre como produzem surtos de rádio e raios-gama. O reconhecimento deste padrão invulgar de atividade de raios-gama pode ajudar os teóricos a descobrir os mecanismos envolvidos.

"Os magnetares, que estão ligados às FRBs ("fast radio bursts", inglês para rajadas rápidas de rádio), têm alguma coisa periódica no topo da sua aleatoriedade," disse o astrofísico Bruce Grossan, astrofísico no Laboratório de Ciências Espaciais da Universidade da Califórnia, em Berkeley. "Este é outro mistério em cima do mistério de como os surtos são produzidos."

Os investigadores - Grossan e o físico teórico e cosmólogo Eric Linder, do mesmo laboratório e também do Centro para Física Cosmológica de Berkeley, juntamente com o pós-doutorado Mikhail Denissenya da Universidade Nazarbayev no Cazaquistão - descobriram o padrão no ano passado em rajadas oriundas de um SGR ("soft gama repeater", inglês para repetidor gama suave), de nome SGR 1935+2154, que é um magnetar, uma fonte prolífica de explosões de raios-gama de baixa energia (ou suaves) e a única fonte conhecida de FRBs na nossa Galáxia, a Via Láctea. Eles descobriram que o objeto emite rajadas aleatoriamente, mas apenas dentro de janelas regulares de quatro meses, cada janela ativa separada por três meses de inatividade.

No dia 19 de março, a equipa colocou online uma pré-impressão do seu artigo científico alegando "comportamento em janela periódica" de rajadas de raios-gama suaves oriundos de SGR 1935+2154 e previu que estas rajadas recomeçariam novamente depois de dia 1 de junho - após um hiato de três meses - e que poderiam ocorrer durante quatro meses numa janela que termina dia 7 de outubro.

No dia 24 de junho, três semanas após o início da janela de atividade, foi observado o primeiro surto de SGR 1935+2154 após o intervalo previsto de três meses, e desde então foram observadas quase uma dúzia de outras explosões, incluindo uma dia 6 de julho, o dia em que o artigo científico foi publicado na revista Physical Review D.

"Estas novas explosões, dentro desta janela de tempo, indicam que a nossa previsão está certa", disse Grossan, que estuda transientes astronómicos altamente energéticos. "Provavelmente, mais importante, é que nenhuma explosão foi detetada entre as janelas desde que publicámos a nossa pré-impressão."

Linder compara a não deteção de surtos em janelas de três meses a uma pista-chave - o "incidente curioso" que um cão de guarda não ladrou à noite - que permitiu que Sherlock Holmes resolvesse um assassinato na história "O Estrela de Prata".

"Dados ausentes ou ocasionais são um pesadelo para qualquer cientista," realçou Denissenya, o primeiro autor do artigo e membro do Laboratório do Cosmos Energético na Universidade Nazarbayev, fundado há vários anos por Grossan, Linder e pelo laureado com o Prémio Nobel e cosmólogo da UC Berkeley George Smoot. "No nosso caso, foi crucial perceber que explosões ausentes, ou nenhuma explosão, também contam como informação."

A confirmação da sua previsão surpreendeu e entusiasmou os cientistas, que pensam que este pode ser um novo exemplo de um fenómeno - comportamento em janela periódica - que poderia caracterizar emissões de outros objetos astronómicos.

Minerando dados de satélite com 27 anos

No ano passado, os investigadores sugeriram que a emissão de FRBs - que normalmente duram alguns milésimo de segundo - de galáxias distantes pode ser agrupada num padrão de janela periódica. Mas os dados eram intermitentes e as ferramentas estatísticas e computacionais para estabelecer com firmeza tal afirmação com dados esparsos não estavam bem desenvolvidas.

Grossan convenceu Linder a explorar se técnicas e ferramentas avançadas poderiam ser usadas para demonstrar que o comportamento em janela periódica - mas também ainda aleatório, dentro de uma janela de atividade - estava presente nos dados de explosões de raios-gama suaves do magnetar SGR 1935+2154. O instrumento Konus a bordo da nave espacial Wind, lançada em 1994, registou explosões de raios-gama suaves desse objeto - que também exibe FRBs - desde 2014 e provavelmente nunca perdeu um brilhante.

Linder, membro do Supernova Cosmology Project com sede no Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, usou técnicas estatísticas avançadas para estudar o agrupamento, no espaço, de galáxias no Universo, e ele e Denissenya adaptaram estas técnicas para analisar o agrupamento de rajadas no tempo. A sua análise, a primeira a usar tais técnicas para eventos repetidos, mostrou uma periodicidade invulgar, em janelas distintas, de repetição muito precisa produzida por corpos giratórios ou em órbita, que a maioria dos astrónomos associa a um comportamento periódico.

"Até agora, observámos rajadas em 10 janelas periódicas desde 2014, e a probabilidade de que sejam na verdade aleatórias é de 3 em 10.000," disse, o que significa que há 99,97% de hipótese de estarem certos. Ele realçou que uma simulação Monte Carlo indicou que a chance de estarem a observar um padrão que não existe é provavelmente inferior a 1 em mil milhões.

A observação recente de cinco explosões dentro da sua janela temporal prevista, vista pela Wind e por outras sondas que monitorizam explosões de raios-gama, aumenta a sua confiança. No entanto, uma única explosão futura, observada fora da janela de tempo, refutaria toda a teoria ou faria com que refizessem completamente a sua análise.

"A parte mais intrigante e divertida, para mim, foi fazer previsões que podiam ser testadas no céu. Em seguida, corremos simulações contra padrões reais e aleatórios e descobrimos que realmente nos diziam mais sobre as explosões," disse Denissenya.

Quanto ao que causa este padrão, Grossan e Linder apenas podem adivinhar. Pensa-se que os SGRs de magnetares envolvam sismos estelares, talvez desencadeados por interações entre a crosta da estrela de neutrões e o seu intenso campo magnético. Os magnetares giram uma vez a cada poucos segundos e, se a rotação for acompanhada por uma precessão - uma oscilação na rotação - isso pode fazer com que a fonte de emissão da explosão aponte para a Terra apenas dentro de uma determinada janela de tempo. Outra possibilidade, disse Grossan, é que uma nuvem densa e giratória de material obscurante pode rodear o magnetar, mas tem uma espécie de orifício que só permite que as rajadas saiam e atinjam a Terra periodicamente.

"No ponto atual do nosso conhecimento sobre estas fontes, não podemos dizer realmente qual é," salientou Grossan. "Este é um fenómeno rico que provavelmente será estudado por muito tempo."

Linder concorda e realça que os avanços foram feitos graças à polinização cruzada entre técnicas de observações astrofísicas de alta energia e cosmologia teórica.

"Vamos continuar a observar, a aprender e até mesmo a 'ouvir mais cães à noite'."

 


comments powered by Disqus

 


Desde 2014, um magnetar na nossa Galáxia (SGR 1935+2154) tem emitido explosões de raios-gama suaves (estrelas no gráfico). Cientistas da UC Berkeley concluíram que ocorrem apenas durante certas janelas de tempo (secções verdes) mas que de algum modo foram bloqueadas durante outras janelas de tempo (secções vermelhas). Usaram este padrão para prever novos surtos a partir de 1 de junho de 2021 (secções com contornos a azul à direita) e, desde 24 de junho, foram detetados mais de uma dúzia (estrelas com contornos azuis): exatamente no intervalo de tempo previsto.
Crédito: Mikhail Denissenya


// UC Berkeley (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Physical Review D)
// Artigo científico (arXiv.org)

Saiba mais

CCVAlg - Astronomia:
31/07/2020 - Estrela morta emite mistura de radiação nunca antes vista

SGR 1935+2154:
Simbad
Wikipedia

Magnetar:
Wikipedia
AstronomyOnline.org

Estrelas de neutrões:
Wikipedia
Universidade de Maryland

FRB ("Fast Radio Burst"):
Wikipedia
Catálogo de FRBs (Universidade Swinburne)

SGR ("Soft Gamma Repeater"):
Wikipedia

Wind:
NASA
Wikipedia

 
Top Thingy Right