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NICER TESTA A CAPACIDADE DE COMPRESSÃO DAS ESTRELAS DE NEUTRÕES
20 de abril de 2021

 


O NICER (Neutron star Interior Composition Explorer) da NASA é um telescópio de raios-x instalado na Estação Espacial Internacional.
Crédito: NASA

 

A matéria no coração das estrelas de neutrões - remanescentes densos de estrelas massivas que explodiram - assume a forma mais extrema que podemos medir. Agora, graças a dados do NICER (Neutron star Interior Composition Explorer) da NASA, um telescópio de raios-X na ISS (International Space Station), os cientistas descobriram que esta matéria misteriosa é menos comprimível do que alguns físicos previram.

A descoberta é baseada nas observações pelo NICER de PSR J0740+6620 (J0740 para abreviar), a estrela de neutrões mais massiva conhecida, que fica a mais de 3600 anos-luz de distância na direção da constelação norte de Girafa. J0740 está num sistema binário com uma anã branca, o remanescente em arrefecimento de uma estrela parecida com o Sol, e gira 346 vezes por segundo. Observações anteriores colocam a massa da estrela de neutrões em cerca de 2,1 vezes a do Sol.

"Estamos rodeados por matéria normal, as coisas da nossa experiência quotidiana, mas há muito que não sabemos sobre como a matéria se comporta, e como é transformada, sob condições extremas," disse Zaven Arzoumanian, líder científico do NICER no Centro de Voo Espacial Goddard da NASA em Greenbelt, no estado norte-americano de Maryland. "Ao medir os tamanhos e massas das estrelas de neutrões com o NICER, estamos a explorar a matéria à beira de implodir num buraco negro. Quando isso acontece, já não podemos estudar a matéria porque está oculta pelo horizonte de eventos do buraco negro."

Arzoumanian e membros da equipa do NICER apresentaram os seus achados sábado, dia 17 de abril, numa reunião virtual da Sociedade Física Americana, e os artigos científicos que descrevem as descobertas e as suas implicações estão agora a passar por revisão científica.

No final da sua vida, uma estrela muitas vezes mais massiva do que o Sol fica sem combustível no seu núcleo, colapsa sob o seu próprio peso e explode como supernova. As mais massivas destas estrelas deixam para trás buracos negros. As mais leves formam estrelas de neutrões, que acumulam mais massa do que o Sol numa esfera tão pequena quanto uma cidade.

Os cientistas pensam que as estrelas de neutrões têm camadas. Na superfície, uma fina atmosfera de átomos de hidrogénio ou hélio repousa sob uma crosta sólida de átomos mais pesados. Na crosta, o rápido aumento da pressão retira os eletrões dos núcleos atómicos. Mais abaixo, no núcleo externo, os núcleos atómicos dividem-se em neutrões e protões. A pressão imensa esmaga protões e eletrões para formar um mar de principalmente neutrões que são eventualmente comprimidos até duas vezes a densidade de um núcleo atómico.

Mas que forma assume a matéria no núcleo interno? Será que são neutrões até ao fim ou estes neutrões dividem-se nas suas próprias partes constituintes, chamadas quarks?

Os físicos têm feito esta pergunta desde que Walter Baade e Fritz Zwicky propuseram a existência de estrelas de neutrões em 1934. Para a responder, os astrónomos requerem medições precisas dos tamanhos e das massas destes objetos. Isto permite o cálculo da relação entre a pressão e a densidade no núcleo interno da estrela e a avaliação da capacidade de compressão final da matéria.

Nos modelos tradicionais de uma típica estrela de neutrões, uma com cerca de 1,4 vezes a massa do Sol, os físicos esperam que o núcleo interno seja preenchido principalmente com neutrões. A densidade mais baixa garante que os neutrões permanecem distantes o suficiente para conservar-se intactos, e esta rigidez interna resulta numa estrela maior.

Em estrelas de neutrões mais massivas como J0740, a densidade do núcleo interno é muito maior, esmagando os neutrões mais perto uns dos outros. Não está claro se os neutrões podem permanecer intactos sob estas condições ou se, ao invés, se dividem em quarks. Os teóricos suspeitam que se quebram sob a pressão, mas muitas questões sobre os detalhes ainda permanecem. Para obter respostas, os cientistas precisam de uma medição precisa de uma estrela de neutrões massiva. Uma estrela mais pequena favoreceria cenários onde os quarks vagueiam livremente nas profundezas mais internas porque as partículas mais pequenas podem ser mais comprimidas. Uma estrela maior sugere a presença de formas mais complexas de matéria.

Para obter as medições precisas necessárias, o NICER observa estrelas de neutrões em rápida rotação a que chamamos pulsares, descobertos em 1967 por Jocelyn Bell Burnell. À superfície destes objetos formam-se manchas quentes e brilhantes, emissoras de raios-X. Conforme os pulsares giram, as suas manchas giram para dentro e para fora de vista como feixes de um farol, produzindo variações regulares no seu brilho em raios-X.

Mas os pulsares também são tão densos que a sua gravidade distorce o espaço-tempo próximo, como uma bola de bowling em repouso num trampolim. Esta distorção é suficiente para fazer com que a radiação do outro lado da estrela - radiação que de outra forma não poderíamos detetar - seja redirecionada para nós, o que faz o pulsar parecer maior do que realmente é. A mesma massa num "pacote" mais pequeno produz maior distorção. Este efeito pode ser tão intenso que pode impedir que as manchas quentes desapareçam completamente à medida que giram em torno do pulsar.

Os cientistas podem tirar proveito destes efeitos porque o NICER mede a chegada de cada raio-X com uma precisão superior a 100 nanossegundos. Ao rastrear como o brilho dos raios-X do pulsar varia conforme gira, os cientistas podem reconstruir o quanto este distorce o espaço-tempo. Como conhecem a sua massa, podem traduzir esta distorção num tamanho.

Duas equipas usaram abordagens diferentes para modelar o tamanho de J0740. Uma equipa liderada por Thomas Riley e Anna Watts - investigador pós-doutorado e professora de astrofísica da Universidade de Amesterdão, respetivamente - estimam que o pulsar tem cerca de 24,8 km de diâmetro. Uma equipa liderada por Cole Miller, professor de astronomia da Universidade de Marylan, em College Park, descobriu que J0740 tem aproximadamente 27,4 km de diâmetro. Os dois resultados sobrepõem-se significativamente tendo em conta as suas incertezas, variando de 22,8 a 27,4 km e de 24,4 a 32,6 km, respetivamente.

Além dos dados do NICER, ambos os grupos também incluíram observações de raios-X pelo satélite XMM-Newton da ESA que foram úteis na contabilização do ruído de fundo. A massa de J0740 foi determinada anteriormente por medições de rádio feitas por cientistas das colaborações NANOGrav (North American Nanohertz Observatory for Gravitational Waves) e CHIME (Canadian Hydrogen Intensity Mapping Experiment).

Em 2019, as equipas de Riley e Miller usaram dados do NICER para estimar o tamanho e a massa do pulsar J0030+04512 (ou J0030). Determinaram que o objeto tinha cerca de 1,4 vezes a massa do Sol e 26 km de diâmetro.

"As nossas novas medições de J0740 mostram que, embora seja quase 50% mais massivo que J0030, é essencialmente do mesmo tamanho," disse Watts. "Isto desafia alguns dos modelos mais compactáveis dos núcleos das estrelas de neutrões, incluindo versões em que o interior é apenas um mar de quarks. O tamanho e a massa de J0740 também representam problemas para alguns modelos menos comprimíveis contendo apenas neutrões e protões."

Modelos teóricos recentes propõem algumas alternativas, como núcleos internos contendo uma mistura de neutrões, protões e matéria exótica feita de quarks ou novas combinações de quarks. Mas todas as possibilidades vão precisar de ser reavaliadas no contexto destas novas informações do NICER.

"O tamanho de J0740 deixou-nos a nós, teóricos, perplexos e entusiasmados," disse Sanjay Reddy, professor de física na Universidade de Washington que estuda a matéria sob condições extremas, mas que não esteve envolvido na descoberta. "As medições do NICER, combinadas com outras observações multimensageiras, parecem apoiar a ideia de que a pressão aumenta rapidamente em núcleos de estrelas de neutrões massivas. Embora isto desfavoreça as transições para formas mais compactáveis de matéria no núcleo, as suas implicações ainda não são totalmente compreendidas."

A equipa de Miller também determinou o quão bem os cientistas podem estimar o tamanho de um pulsar, usando medições de J0740 e J0030 pelo NICER para suplementar as informações existentes de outros pulsares massivos e eventos de ondas gravitacionais, ondulações no espaço-tempo geradas pelas colisões de objetos massivos como estrelas de neutrões e buracos negros.

"Sabemos agora o raio de uma estrela de neutrões padrão, com 1,4 vezes a massa do Sol, até uma incerteza de 5%", disse Miller. "É como saber o tamanho de Washington, D.C., até cerca de 400 metros. O NICER não está apenas a reescrever os livros didáticos sobre estrelas de neutrões, mas também a revolucionar a nossa confiança nas nossas medições de objetos que são muito distantes e muito pequenos."

Além de testar os limites da matéria, as estrelas de neutrões também fornecem um novo meio de explorar as vastas extensões do espaço. Em 2018, uma equipa de cientistas e engenheiros da NASA usou o NICER para demonstrar, pela primeira vez, a navegação totalmente autónoma no espaço usando pulsares, o que poderia revolucionar a nossa capacidade de pilotar naves espaciais robóticas até aos confins do Sistema Solar e além.

"O NICER foi um ótimo companheiro de tripulação," disse a astronauta da NASA Christina Koch, engenheira de voo na ISS de março de 2019 a fevereiro de 2020, estabelecendo o recorde para o voo espacial individual mais longo feito por uma mulher. "A missão exemplifica todos os melhores aspetos da investigação na estação espacial. É ciência fundamental revolucionária, ciência espacial e inovação tecnológica, tudo possibilitado pelo ambiente único e pela plataforma de um laboratório orbital."

 

 


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Os cientistas pensam que as estelas de neutrões têm camadas. Como visto na imagem, o estado da matéria no seus núcleos internos permanece misterioso.
Crédito: Centro de Voo Espacial Goddard da NASA/CIL


A gravidade de uma estrela de neutrões distorce o espaço-tempo, como uma bola de bowling em repouso num trampolim. A distorção é forte o suficiente para redirecionar luz do outro lado da estrela na nossa direção, o que faz com que pareça maior do que realmente é.
Crédito: Centro de Voo Espacial Goddard da NASA/Chris Smith(USRA/GESTAR)


// NASA (comunicado de imprensa)

Saiba mais

PSR J0740+6620:
Wikipedia

Estrelas de neutrões:
Wikipedia
Universidade de Maryland

Pulsares:
Wikipedia

NICER:
NASA
Wikipedia

Observatório XMM-Newton:
ESA
Wikipedia

 
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